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Um fim obscuro

02/04/2013

"Um fim obscuro

Pouco estudado por cientistas e não contemplado em políticas públicas, o suicídio costuma ser cometido principalmente por jovens e idosos. A OMS estima que 1 milhão de pessoas tirem a própria vida por ano em todo o mundo. Especialistas acreditam que esse número seja pelo menos 20% maior
Elian Guimarães

Dez mil pessoas tiram a própria vida no Brasil anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde. No mundo, o total chega a 1 milhão, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse número, de acordo com a Sociedade Brasileira de Psiquiatria (SBP), é subestimado e pode ser de 20% a 30% maior por várias razões, inclusive devido a subnotificações em órgãos de saúde e segurança pública dos municípios. Os coeficientes de mortalidade são três a quatro vezes maiores entre pessoas do sexo masculino. Muito associado a idosos, nos últimos 30 anos, o ato de atentar contra si ronda também pessoas mais jovens. Dados da SBP indicam que há dois grupos de risco: pessoas com idade entre 15 e 30 anos e os idosos, acima de 65.

“Os médicos fora da psiquiatria (e mesmo algumas equipes da área) não estão preparados para lidar porque existe um tabu, não falam, não comentam e não estudam o fenômeno do suicídio. Fingem que o problema não existe e essa atitude gera reflexo na formação acadêmica dos profissionais, pois o assunto fica relegado a um segundo plano”, aponta o presidente da Comissão de Prevenção ao Suicídio da SBP, Humberto Correa, também professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

“Suicídio é todo ato provocado conscientemente pelo indivíduo com a intenção de provocar a própria morte. Há pessoas que tentam ou têm muito desejo de se matar, mas não conseguem, e esse ato é erroneamente interpretado como necessidade de chamar a atenção de alguém. Toda tentativa de tirar a própria vida deve ser levada a sério”, acrescenta Correa.

Aquele que se mata, invariavelmente, demonstrou, pelo menos uma vez, ideias de morte, comunicadas a pessoas próximas, inclusive ao médico que o atendia. Quando a pessoa diz que pensa em se matar, é um sinal de alerta. “Temos a tendência de não valorizar esse sinal, achando ser uma forma de a pessoa chamar a atenção. Há um mito de que, quando a pessoa fala em se matar, é porque não quer fazê-lo. Daqueles que se suicidaram, entre 70% e 80% comunicaram ou falaram sobre isso a parentes”, afirma o psiquiatra, para quem o suicídio é algo que pode ser prevenido.

Segundo Correa, as pessoas tendem a se matar usando o meio de mais fácil acesso (um policial pode se matar usando a arma de fogo, na zona rural é comum o uso de pesticidas). “Restringir e controlar métodos letais é também uma forma de prevenção.”

Depressão

Há algumas circunstâncias que podem ser observadas. Primeiramente, quase 100% dos que têm tendência suicida ou de fato se matam sofrem de algum distúrbio psiquiátrico. “Entre essas circunstâncias, em termos absolutos primeiro vem a depressão, mesmo que em termos relativos o diagnóstico de paciente bipolar aponte para um maior número de pessoas que se suicidam”, explica Correa. Transtornos do humor, depressão, transtorno bipolar, o uso e o abuso de álcool e de outras substâncias, a esquizofrenia, o transtorno de personalidade também estão associados a altos níveis de mortalidade por suicídio.

A médica e psicóloga Vera Zavarise destaca que está aumentando o número de suicídios em função da depressão. “Pensar em suicídio é inerente a todas as depressões. Pensar e depois executar o ato se aplica para alguns casos. Aproxi-madamente 10% das pessoas tentam e conseguem tirar a própria vida.”

Segundo a médica, há algo mais forte que impede que alguns sintomas se manifestem ou sejam percebidos, que é o preconceito de precisar de alguma ajuda para algo que é psíquico. “As doenças psíquicas geralmente são associadas ao cérebro como algo mágico, à alma da cabeça. Na realidade, ele é um órgão como outro qualquer. Submetido a um desgaste maior, pode apresentar um certo desequilíbrio de funcionamento. Nesse caso, há uma área específica, que é o humor”, diz a psicóloga, que aponta também o preconceito de procurar um psiquiatra como um dificultador. “É visto como algo que custa caro, e quem está próximo não tem coragem de sugerir a procura de um especialista. Há outros fatores, como uso de algumas medicações, que acabam induzindo à depressão. O ansiolítico pode abaixar a ansiedade em um primeiro momento, mas, quando há o consumo extenso, pode levar à depressão”, explica a médica.

Para saber mais

Cada cultura

encara o problema de uma forma

O autoextermínio sempre existiu em todas as civilizações, inclusive com evidências de suicídio entre povos pré-históricos. Ao longo da história muda-se a forma de encará-lo: em algumas, ele era tolerado, em outras era até estimulado, e em outras, reprimido. Na civilização cristã ocidental, no início, era valorizado em certos aspectos. Entre os primeiros cristãos, havia quem se suicidava para chegar mais próximo de Deus. “A partir de Santo Agostinho, nos séculos 4 e 5, isso começou a mudar. Em particular na Igreja Católica, o suicídio passou a ser reprimido e, depois, perseguido. A visão católica tornou-se dominante, sendo anexada aos códigos civis das cidades-estado que foram surgindo na Europa. Passou-se a punir quem tentava se matar e os familiares perdiam seus bens. Até o início do século 20, a Igreja Católica não dava a eles o direito a ritos fúnebres, como missa e cortejo, e eram enterrados em locais exclusivos. “Isso tudo entranhou nas mentes de forma a se tornar um tabu e um pecado, o pior de todos. O reflexo disso é que não há campanhas públicas no Brasil exclusivamente de prevenção ao suicídio, apesar de ser assunto de saúde pública”, pontua o dirigente da SBP, Humberto Correa.

Tratamento deve ser individualizado

O tratamento para doenças que levam ao suicídio — como a depressão e o transtorno bipolar — é diversificado e individualizado, e cada caso deve ser avaliado para se ter um tratamento adequado (que pode ir de consultas psiquiátricas, psicoterapia breve, entre outros, associados ao uso de medicamentos). “Alguns países estabelecem uma estratégia nacional de prevenção ao suicídio com o tratamento rápido e eficaz da depressão”, sugere o médico Humberto Correa, presidente da Comissão de Prevenção ao Suicídio da Sociedade Brasileira de Psiquiatria.

No Brasil, segundo ele, quase não há políticas públicas direcionadas à prevenção ao suicídio. Quando um paciente com quadro de tentativa de suicídio é atendido em uma unidade pública de saúde, ele geralmente é encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) ou ao Centro de Referência da Saúde Mental (Cersam).

“Essas políticas normalmente estão no bojo do tratamento psiquiátrico oferecido nesses centros. O investimento em pesquisa na prevenção e no estudo de suas causas, no entanto, é infinitamente inferior tendo em vista a importância do problema. Todo esse tabu impede que se invista em pesquisa, que se fale sobre isso e a mídia não divulga”, explica Correa: “É um assunto que a sociedade joga para debaixo do tapete”.

O que existe de mais concreto para a prevenção é o trabalho de uma entidade não governamental, sem fins lucrativos e que trabalha com voluntários: o Centro de Valorização da Vida (CVV). A entidade surgiu na Inglaterra em 1953 para atender voluntariamente pessoas em um cenário pós-Segunda Guerra Mundial. A iniciativa foi do pastor anglicano Chada Varah, por meio da entidade “os samaritanos”, de Londres. Hoje, são 165 centros de emergência espalhados pelo mundo, reunindo cerca de 20.500 voluntários. O CVV chegou ao Brasil no início dos anos 1960 e atualmente conta com 60 postos, que, juntos, contam com cerca de 3 mil voluntários.

O CVV atende 24 horas por dia presencialmente nos postos de referência ou via internet, pelo endereço www.cvv.org.br, cujo atendimento é via chat.

Carmen Ferrari é voluntária há mais de uma década e atualmente ministra cursos de formação a quem está disposto a doar um pouco para os mais necessitados: “O curso mostra os princípios do CVV. Independentemente da formação acadêmica, todas as pessoas em qualquer parte do Brasil estarão trabalhando com as ferramentas da entidade. O curso ensina a usá-las. São muitas, e a primeira é a disponibilidade interna. Não há como abraçar uma causa sem estar preparado emocionalmente”, diz.

Ao voluntário não compete mensurar nem julgar quão verdadeira é a dor do outro. Não importa o fator desencadeante do problema, importa o sentimento. Aquilo que a pessoa não tem coragem de falar para o terapeuta, mãe, pai, amigo ou marido estará protegido pelo anonimato. Segundo Ferrari, ao atender a pessoa ao vivo ou pelo chat na internet, o voluntário não deve sugerir recursos religiosos e ter ciência de que sua função é apenas ouvir.

Existem fatores psicossociais, os chamados laços sociais, que ajudam muito os quadros depressivos. De acordo com o psiquiatra Humberto Correa, quanto mais a pessoa participa de grupos de relacionamentos (se é casada, tem filhos, trabalha, se está ligada a atividades religiosas, políticas, esportivas), mais ela reduz as chances de atentar contra si. “Do ponto de vista coletivo, é importante ter laços fortes em vários setores de sua vida. Aquele que se mata invariavelmente já demonstrou alguma vez ideias de morte e se comunica com pessoas próximas."

Fonte: Interjornal.com

Imagem: Frasesdavida.files.wordpress.com