
SUS também vai coletar DNA de estupradores
16/06/2013
"SUS também vai coletar DNA de estupradores
Autor(es): RENATA MARIZ
Correio Braziliense - 16/06/2013
Profissionais de saúde estão sendo treinados para colher amostras de material genético deixado por criminosos sexuais em suas vítimas, uma tarefa que cabia apenas aos IMLs. O problema é que já há milhares de fragmentos à espera de exames de identificação
O governo federal começou a treinar profissionais da saúde para coletar material genético do corpo de vítimas de violência sexual. A tarefa, até então restrita aos peritos dos institutos estaduais de Medicina Legal, foi estendida por força do Decreto 7.958, editado pela presidente Dilma Rousseff, em março. O objetivo é prestar um atendimento humanizado, nas dependências do Sistema Único de Saúde, a mulheres violentadas, garantindo o recolhimento dos vestígios deixados pelo agressor — esperma, fragmentos sob as unhas ou saliva, por exemplo —, sem que elas tenham de se dirigir a um distrito policial. A mudança nas regras, entretanto, pode não passar de boas intenções caso as amostras coletadas continuem esquecidas nos freezers das polícias estaduais, que se mantêm como únicas habilitadas a analisar o material biológico.
Não há dados oficiais, mas estimativas feitas por profissionais do setor apontam a existência de, pelo menos, 20 mil amostras no país sem identificação. Só com a análise do material genético pode-se chegar ao DNA do agressor. A reportagem solicitou às polícias civis do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais e do Distrito Federal a quantidade acumulada de amostras armazenadas sem exame, mas não obteve resposta de nenhuma dessas corporações. Dados do DF, porém, são capazes de mostrar o descompasso entre o que é recolhido no corpo das vítimas e o que passa, de fato, por análise. Em 2012, 915 mulheres tiveram material coletado. O número de laudos de DNA feitos, entretanto, não passou de 270 no mesmo período.
Diretora adjunta do Instituto de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do DF, Karla Angélica Alves de Paula explica que nem todo material tem componentes suficientes para a extração do DNA e que o exame só compensa ser feito em determinados casos, quando, por exemplo, há suspeitos (para comparar com o vestígio coletado). "Não adianta fazer (o exame) de todo mundo. Não teríamos nem pessoal para isso", explica a diretora. Karla reconhece, entretanto, que identificar pelo menos as amostras de espermatozoides de agressores desconhecidos ajudaria a reduzir a impunidade: "Nesses termos, defendo que seja feito, porque teríamos resultados interessantes. Até porque o estupro é um crime que deixa vestígio, além de ser corriqueiramente praticado em série".
Para Ana Teresa Iamarino, diretora de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República, as mudanças em curso devem ocorrer tanto no SUS quanto nas polícias. "Queremos garantir o atendimento humanizado às vítimas nos hospitais e centros de referência, mas será importante também garantir a punição dos agressores. E parte disso vem do trabalho das polícias, que continuam a ser as únicas que podem fazer os exames de DNA", destaca Ana Teresa.
O Ministério da Saúde também começou a investir os R$ 13,1 milhões reservados para tirar do papel o decreto da presidente Dilma Rousseff que criou, na prática, um programa de atendimento a mulheres violentadas. Secretário de Atenção à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães destaca que o dinheiro tem sido aplicado na capacitação de profissionais da rede de saúde. O quadro total a ser treinado é de 1.410 servidores — entre enfermeiros, médicos, psicólogos — de 94 estabelecimentos no Brasil. Estão no foco da política, especialmente, os centros que já fazem um atendimento diferenciado a vítimas de estupro ou que têm grande cobertura territorial. "É absolutamente importante prestar esse serviço sem que a mulher seja obrigada a ir ao IML", diz Helvécio.
Criminosos seriais
No DF, onde a Polícia Civil começou a alimentar um banco interno de DNA com vestígios de espermatozoides encontrados nas vítimas nos últimos 15 anos, os resultados são impressionantes. A partir do cruzamento do material de vários casos, foram mapeados 39 estupradores em série na capital da República. Alguns foram presos. Outros continuam fazendo vítimas. Para que esse recurso seja ainda mais bem aproveitado, é necessário que o governo federal implante o cadastro nacional de DNA de criminosos. Já existem lei e decreto regulamentando o funcionamento da ferramenta de investigação criminal. Mas aspectos burocráticos — como a formação efetiva de uma comissão — ainda não foram vencidos.
Banco genético de agressores
Como é hoje
» Somente depois de registrar o boletim de ocorrência, a mulher é encaminhada ao Instituto Médico Legal para fazer a perícia
» Peritos analisam se é possível coletar vestígios deixados pelo agressor no corpo ou na roupa da vítima. Esperma, fragmentos nas unhas e saliva podem ajudar na identificação do agressor
» O material recolhido fica armazenado nos freezers das polícias estaduais. Mas a análise do DNA só é feita quando há suspeito ou se o delegado requisitar, por exemplo
Como deve ficar
» Mesmo que a mulher não procure a polícia, ela terá o atendimento pericial (a coleta dos vestígios do agressor) na rede pública de saúde. A ideia é garantir o recolhimento do material genético ainda nessa fase. Muitas vítimas só decidem denunciar dias depois ou quando já tomaram banho, o que dificulta a coleta
» Depois de coletados vestígios do agressor no corpo e nas vestimentas da mulher, as equipes médicas encaminharão o material à polícia
» Na polícia, essas provas serão armazenadas. Sem um incentivo aos laboratórios de análise de DNA das polícias estaduais, corre-se o risco de aumentar o volume de material genético coletado, sem que passe por identificação"
Fonte: Correio Braziliense
Imagem: Infoescola.com