Privilégio para poucos alunos
26/08/2012
Privilégio para poucos alunos
Instituições de educação em tempo integral, defendidas pelo educador Anísio Teixeira como "escolas de formação de hábitos de vida" desde a primeira metade do século passado, ainda são uma raridade. Apenas 5% dos alunos matriculados na rede pública de ensino fundamental e médio no Brasil têm acesso a horas extras na formação. Isso significa que, para cada estudante inserido no sistema integral, há 20 fora dele. A divisão ocorre entre colegas de uma mesma escola.
Caso de Jhonata Soares de Oliveira, que está no 3º ano do ensino fundamental em um colégio de São Sebastião, no Distrito Federal. Ele faz parte dos 130 alunos não atendidos com a educação integral no colégio, que oferece a formação extra a cerca de 140, por meio do programa Mais Educação, do governo federal. "Queria ficar para receber o almoço e depois molhar a horta, fazer judô e brincar com os joguinhos", diz o menino de 8 anos.
A vice-diretora da escola, Cristina Guimarães, conta dos planos de expansão. "Há uns três anos, já temos o projeto de ampliação da estrutura aprovado pela área de arquitetura da Secretaria de Educação, para fazermos uma sala multiúso, pois hoje temos de improvisar. Só assim poderemos absorver mais alunos", diz ela. Os cerca de R$ 300 recebidos por mês pela escola para atender os estudantes, por meio do programa Mais Educação, ajudam, mas não suprem todas as demandas.
"Os meninos almoçam dentro da sala de aula. Como os monitores recebem uma ajuda de custo, há rotatividade. As dificuldades são muitas. Em compensação, o desenvolvimento dos alunos incluídos na educação integral é notável", diz. Larissa Dias França, de 8 anos, é a prova disso. "Estou desde o ano passado no Mais Educação e minhas notas melhoraram. Já sei muitos golpes no judô e fazer horta", diz a menina do 3º ano.
Custo
Para o educador Walter Garcia, os exemplos internacionais são suficientes para mostrar a efetividade da educação em tempo integral. "Coreia, Chile e até o próprio Paraguai são países que investiram em mais horas na escola, além de outras abordagens. Só que educação boa custa caro", diz. Pelas contas do governo federal, para atingir a meta 6 do Plano Nacional de Educação, prestes a ser votado na Câmara, de ofertar o tempo integral em 50% das escolas de ensino fundamental e médio até 2020, seria necessário adicionar R$ 369,75 nos valores repassados por aluno ao ano. O impacto seria de R$ 3 bilhões.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma articulação de organizações da sociedade civil, contesta o valor. Segundo estimativa do grupo, o adicional seria de R$ 2.396,44. Com isso, a medida custaria em torno de R$ 23 bilhões. "Com esses valores trabalhados na proposta do MEC, é impossível. Mesmo com o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), isso só contemplará 25% das matrículas", critica o cientista político.
» Colaborou Paula Filizola
"Coreia, Chile e até o próprio Paraguai são países que investiram em mais horas na escola, além de outras abordagens. Só que educação boa custa caro"
Walter Garcia, educador
Memória
Escolas parque modificadas
Das 28 escolas parque, que receberiam os alunos no contraturno da jornada para atividades físicas e artísticas, previstas no Plano de Construções Escolares de Brasília, somente cinco saíram do papel. Já na década de 1960, o modelo desenhado por Anísio Teixeira que deveria servir de referência para o Brasil, em termos de escola em tempo integral, foi desvirtuado. Os estudantes passavam apenas duas horas diárias, devido à grande demanda. Hoje, as escolas parque atendem alunos dentro da grade escolar, propiciando apenas um dia na semana de atendimento extra.
Mas a capital do país não foi a única tentativa de colocar em funcionamento o sistema de educação integral. Pelas mãos do antropólogo Darcy Ribeiro, o Rio de Janeiro recebeu os Centros Integrados de Educação Pública, os Cieps, que contavam com estrutura de primeiro mundo. Hoje tornaram-se escolas comuns. Inspirado nos Cieps, o então presidente Fernando Collor de Mello implementou os Centros Integrados de Atendimento à Criança, chamados de Ciacs, pelo país.
Mudam-se as siglas, mas o destino é o mesmo. Os Ciacs também se desvirtuaram. "A falta de continuidade, de vontade política e até erros de arquitetura paralisaram esses projetos. Mas não há dúvida de que ter educação básica em tempo integral é o futuro da educação. Além disso, a escola integral também protege, pois tira o estudante do risco de ser cooptado pelo crime, da rua", diz Paulo Bareicha, mestre em educação e professor da Universidade de Brasília.
Fonte: Correio Braziliense
Imagem: Infonet.com