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Presos à falta de ensino

17/06/2013

"Presos à falta de ensino

Quatro em cada dez instituições penais no Brasil não têm aulas; só 10% dos detentos estudam

Fonte: O Globo (RJ)


A Professora pergunta qual a diferença entre os pronomes demonstrativos "esse", "este" e "aquele" e, prontamente, ouve a resposta do Aluno Anderson da Cunha Alves, que se antecipa à turma formada por 14 estudantes. Do corredor, olhares atentos observam a movimentação dentro da sala. Parece uma cena comum, rotineira em qualquer Escola do país, mas esta lição acontece dentro de um presídio estadual.

Anderson foi preso por tráfico de drogas e é interno da Penitenciária Industrial Esmeraldino Bandeira, no complexo de Bangu, onde cursa a 6ª série do Ensino fundamental desde o início do ano. Ele é um dos beneficiados pela Lei 12.433, que dá a presidiários o direito de reduzir sua pena frequentando aulas dentro da prisão. Desde que a lei foi promulgada, há dois anos, subiu de 8% para 10,2% a parcela de detentos no Brasil com acesso a atividades educacionais, algo que especialistas consideram essencial no processo de ressocialização.

O decreto foi criado para incentivar a adesão dos detentos ao Ensino básico, mas o objetivo esbarra na falta de infraestrutura. Um levantamento do Ministério da Justiça, feito após solicitação do GLOBO via Lei de Acesso à Informação, mostra que, das 1.410 prisões no país, 40% (565) não têm sequer sala de aula. Estão em desacordo com a Lei 12.245, de 2010, que obriga todas as unidades penais a oferecer Educação básica e profissionalizante a seus internos.

O crescimento do número de estudantes nos últimos dois anos ainda é tímido diante da realidade da população carcerária. Dos 533.027 detentos no Brasil, 88% não têm Ensino básico completo e 45,1% sequer terminaram o Ensino fundamental. Mesmo assim, só 54 mil presos (um em cada dez) estão frequentando salas de aula em instituições penais. Destes, apenas 2,6 mil fazem algum tipo de curso técnico. Os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) são de outubro de 2012, os mais atuais em poder do Ministério da Justiça

- Se realmente queremos reintegrar o detento à sociedade, a medida mais eficaz é a Educação. Mas, se todos os presos pedirem para estudar, o sistema penitenciário nacional vai à falência. E aí o governo teria de fazer o quê? Transferir o cara para um presídio com sala de aula ou liberá-lo, porque a Educação é um direito dele - avalia o Professor Roberto da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Educação no sistema prisional e ele próprio um ex-detento.

Rio está abaixo da média nacional
Pela lei de remição penal, o detento pode abater um dia da pena a cada 12 horas de aula. As horas são válidas apenas se divididas em, no mínimo, três dias, para evitar longas jornadas de estudo. A norma engloba penitenciárias, cadeias públicas, hospitais de custódia, colônias agrícolas e outras instituições. E também dá direito à remição para quem trabalha (hoje, 22% dos internos trabalham na prisão).

- Com o aumento da demanda de presos por Educação, o maior desafio é ampliar a oferta. A maioria dos estados tem dificuldades de abrir turmas por falta de espaço e recursos - pondera Mara Fregapani, coordenadora de Reintegração Social e Ensino do Depen.

Segundo ela, o Depen esperava ter, até o fim deste ano, 50 mil presos estudando, número que foi ultrapassado em meados de 2012. Para 2014, o órgão espera ter 60 mil estudantes em salas de aula dentro de instituições penais.

Pelos dados do Depen, alguns estados das regiões Norte e Nordeste têm as piores estatísticas. Em Tocantins, 3,4% dos 2.490 detentos estudam (são 85 Alunos), e, no Rio Grande do Norte, os estudantes representam 1,8% dos 7.295 presos. Já em Pernambuco, 24,3% dos internos frequentam aulas. Mas estados como Rio de Janeiro e São Paulo estão abaixo da média nacional, com 7,9% e 7,2%, respectivamente.

Anderson é um dos 158 estudantes do Esmeraldino Bandeira. O Aluno conta que já deu aulas sobre leituras bíblicas para colegas, mas diz que o ambiente não é dos melhores.
- Costumo ficar muito sozinho aqui. Tem gente que não está a fim de nada. As pessoas vivem esperando um amanhã que não buscam. Procuro as que possam me ensinar e com as quais eu possa aprender - diz.

Segundo o Ministério da Justiça, há no sistema 1.910 Professores para 54.779 detentos - média de 28,6 Alunos porProfessor, considerada ideal pelo Ministério da Educação. A gestora social Flora Daemon deu aulas no Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão, e elaborou uma tese de mestrado sobre relações de poder e Educação em penitenciárias.
- Aqui fora, a Escola é vista como um lugar de disciplina. No presídio, é de resgate da liberdade - comenta Flora, que conhece bem o preconceito da sociedade contra o presidiário. - Uma vez ouvi de um agente: "Meu filho lá fora sem Escola e a senhora aqui, dando aula para vagabundo".



"A escola tem um papel fundamental para mim e para os meus colegas"
Henryson Ribeiro Bezerra, de 25 anos, está preso por assalto a uma agência dos correios. Adeilton Max de Lima Santos, de 34, por tráfico de drogas. Leone Nunes da Silva, de 40, por homicídio. Além de detentos, eles são estudantes do Presídio de Igarassu, em Recife. No mês que vem, Henryson deixa a unidade e vai direto para a universidade. Adeilton tinha parado de estudar na 8ª série quando foi condenado, mas, agora, está decidido a terminar a Escola. E Leone se forma este ano no Ensino médio. Pernambuco é o estado com o mais alto índice de presidiários frequentando salas de aula: 24,3% dos 27,8 mil detentos estudam.

As penitenciárias locais se beneficiam de convênios com a Secretaria de Educação, a Fundação Roberto Marinho (através do seu Programa Travessia) e a Petrobras. Também contam com o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os 20 presídios têm salas de aula. Por outro lado, nenhuma das cadeias públicas estaduais oferece Ensino aos detentos, como determina a Lei 12.433. Segundo o governo estadual, é preciso driblar a falta de Professores.

O Presídio Igarassu tem 2.890 internos, apesar de haver apenas 426 vagas. A falta de espaço não impediu a instalação da Escola Dom Hélder Câmara, na qual 720 detentos estudam, e de uma biblioteca com 800 volumes. A matrícula é também uma senha para o trabalho em duas empresas particulares instaladas em galpões do presídio.

- Estudei até o 3º ano do Ensino médio, mas parei depois de uma mudança de cidade. Aí, me envolvi no assalto. Mas concluí o curso pelo Travessia e fui o primeiro colocado no Enem entre os presos pernambucanos. Vou estudar Matemática na Universidade Federal Rural de Pernambuco - conta Henryson, que quer ser Professor universitário. - Em toda unidade prisional, devia ter aula. A Escola tem um papel fundamental para mim e para os meus colegas.

Leone Nunes parou de estudar na 6ª série. Vai se formar este ano pelo Travessia e não quer mais parar de estudar:
- Estar na Escola é melhor do que o convívio no pavilhão. A sabedoria é a maior riqueza do homem.

Segundo o gerente de Educação e Qualificação Profissionalizante da Secretaria de Ressocialização, Ednaldo Pereira, em 18 presídios há Escolas com vida própria. Nos demais, as salas de aula são extensões de Escolas públicas próximas. Ele diz que os matriculados têm mais disciplina, convivem melhor com as famílias e trabalham mais motivados.

- É ótimo sair de lá de baixo (dos pavilhões) e vir para o colégio. Dá uma sensação feliz de liberdade, de que estou entrando em outro mundo. Quero sair daqui outro rapaz. Nem drogas quero usar mais. Vou voltar a trabalhar, retornar para a família e os dois filhos que estão sofrendo lá fora - diz Leone."

Fonte: Todospelaeducacao.org.br

Imagem: S.glbimg.com