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Por uma jornada menor

14/04/2013

"Por uma jornada menor

Para manter as contas em dia e fechar o mês sem apertos, a enfermeira Mary Santos, 31 anos, decidiu trabalhar em dois empregos. Das 19h às 7h, ela cumpre o plantão noturno em uma unidade cardiológica de tratamento intensivo no centro da cidade e emenda o trabalho na emergência de um hospital também especializado em tratar problemas do coração. Com um salário de R$ 5 mil e jornada de 76 horas semanais, sobram apenas cinco horas por dia para estudar, cuidar da própria saúde, dedicar-se à família e dormir. No trabalho, qualquer erro pode ser fatal e Mary se esforça para que a estafa não a atrapalhe. “Estou sempre cansada e o medo de errar é constante. Mas, por enquanto, não posso abrir mão dessa rotina. Abandonar um dos empregos significaria abdicar de metade do que ganho no mês.”

O Projeto de Lei (PL) nº 2.295, que pode modificar a situação de Mary e de outros profissionais de enfermagem, será finalmente apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional. O presidente da casa, Henrique Eduardo Alves, garantiu que a data para votação será definida ainda nesta semana, após ceder à pressão de 2,5 mil enfermeiros, técnicos e auxiliares que participaram de uma manifestação a favor do projeto, na última terça-feira, na Esplanada dos Ministérios. O PL fixa em 30 horas semanais o tempo máximo da jornada de trabalho para a categoria.

“Não podemos mais esperar. Nosso direito deve ser garantido imediatamente”, reivindica Paula Brasil, 38 anos, técnica em enfermagem em Vitória. Ela e a colega Eliene Cabral, 42, também técnica, vieram a Brasília para solicitar a aprovação imediata do projeto. Se o pedido não for atendido, a categoria ameaça cruzar os braços na próxima campanha de vacinação contra a gripe, agendada para 20 de abril. “Vivemos com baixa autoestima, somos ofendidos diariamente pelos pacientes e não temos o apoio dos empregadores nem das nossas famílias. Não podemos mais aceitar esse tipo de tratamento”, reclama Eliene.

Dificuldades “Manter jornadas duplas ou mesmo triplas é muito comum entre os profissionais da área”, revela Ivone Cabral, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem (Aben). Segundo ela, há casos de funcionários que chegam a cumprir mais de 100 horas por semana para conseguir uma gratificação melhor. Sem piso salarial estabelecido por lei ou por acordo entre os sindicatos patronal e laboral, em alguns estados brasileiros, o quadro de enfermagem está submetido a remunerações que chegam a ser inferiores a R$ 5 por hora trabalhada. “Antes de redefinir o salário, para nós, a prioridade é garantir qualidade na jornada de trabalho. Uma conquista de cada vez”, acrescenta.

Ivone destaca os casos de profissionais da área que são afastados do trabalho por cometerem erros ou porque não conseguem lidar com as dificuldades do dia a dia. Para a presidente da Aben, a pressão ao lidar com a saúde de pacientes de risco, a falta de espaço adequado para repouso, o número excessivo de atendimentos diários e a precarização do ambiente de trabalho agravam o nível de estresse dos trabalhadores. “A classe está doente”, garante.

A categoria espera por uma definição na lei desde que a profissão foi regulamentada, em 1955. O PL que regulariza essa situação já foi aprovado pelo Senado, e, se passar na votação da Câmara e for sancionado pela presidente, poderá beneficiar pelo menos 1,9 milhão de funcionários, entre os que já estão no mercado e os que precisarão ser contratados para ocupar os cerca de 390 mil novos postos de emprego. A mudança afetará principalmente as instituições de assistência à saúde privadas e filantrópicas.

Apesar de integrar um grupo de trabalho que avalia os impactos da nova lei caso ela seja aprovada, o Ministério da Saúde prefere não se posicionar sobre a questão até que ela seja resolvida no poder Legislativo, avisou a assessoria de imprensa da pasta. Mesmo assim, o ministro Alexandre Padilha se reuniu com os representantes dos profissionais de enfermagem na última semana e impôs duas condições para o governo apoiar o projeto na Câmara. A primeira é excluir da jornada de 30 horas os profissionais vinculados ao Programa Saúde da Família (PSF). Outro ponto exigido é a implantação escalonada da nova jornada.

Impacto

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), reduzir o tempo de trabalho dos profissionais de enfermagem custará R$ 6,3 bilhões aos cofres públicos, 1,4% do orçamento total da União destinado à saúde em 2012. Para o presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Luiz Aramicy Bezerra, o país não tem como financiar essa modificação. “Se passar, a lei não poderá ser cumprida. Nem o governo vai ter pessoal para preencher os postos de trabalho criados, nem os hospitais privados vão conseguir se adequar”, afirma.

De acordo com Bezerra, as clínicas de pequeno e médio porte — que são maioria no Brasil — serão as mais atingidas pela medida. “Há cidades pequenas que, para atender toda a população, contam somente com cinco enfermeiros. De onde eles vão tirar novos profissionais?”, questiona. O presidente da federação dos hospitais acredita que a solução é estudar uma nova escala de trabalho, que atenda tanto as necessidades profissionais quanto as demandas de trabalho. “Só não podemos prejudicar os pacientes. O argumento de que a jornada atual é exaustiva não faz sentido, senão, ninguém trabalharia em dois empregos. Todo mundo que está em hospital trabalha muito e isso é uma realidade”, avalia.

Pelo sim, pelo não, o técnico em enfermagem Ab-Diel Nunes, 25 anos, não vê a hora de abandonar a profissão. Depois de ter passado por inúmeras clínicas em Brasília, conciliando dois empregos ao longo dos últimos cinco anos, o jovem quer investir em qualidade de vida e requalificação profissional. Antes, chegava a cumprir uma jornada de 84 horas semanais, com apenas duas folgas durante o mês, para garantir o salário de R$ 1,6 mil. Há cerca de um mês contratado em um laboratório na Asa Sul, o esquema é outro. “Ganho menos, mas também trabalho menos. Consigo, finalmente, estudar.” Ele espera concluir a graduação em direito dentro de dois anos e meio.

A categoria São considerados profissionais de enfermagem os enfermeiros, os técnicos e os auxiliares. O enfermeiro tem formação superior e trabalha na prevenção de doenças e no restabelecimento da saúde dos pacientes. Já o técnico, de nível médio, tem o diploma específico para acompanhar o enfermeiro em atividades complexas. O auxiliar é um profissional de nível fundamental e exerce atividades de caráter repetitivo, como dar banho nos pacientes. Precedente Os servidores públicos de cerca de 40% dos municípios brasileiros têm garantidas as 30 horas reivindicadas pela categoria, conforme estimam as entidades sindicais. Na iniciativa privada, a jornada dos funcionários de enfermagem varia de 36 a 44 horas por semana. Por lei, no Distrito Federal, os enfermeiros da Secretariaria de Saúde podem trabalhar por até 20 horas semanais; os técnicos, por 24 horas; e os auxiliares, por 30 horas. Nas instituições particulares, esse tempo pode chegar a 44 horas."

Fonte e Imagem: Cofen.com