Pacientes denunciam venda ilegal de senhas
28/04/2013
"Pacientes denunciam venda ilegal de senhas
Falta de médicos gera filas, espera e mercado de fichas na porta de postos
EDNA NUNES
Cem dias de administração da atual gestão se passaram e a população continua reclamando de antigos problemas no atendimento da rede pública de saúde: venda de fichas nas portas das unidades, longa espera para consultas com especialista e a já habitual falta de médicos.
"Nesta semana, eu paguei R$ 10 para uma mulher pegar a ficha para eu me consultar no posto da Tavares Bastos (Marambaia) com uma ginecologista. Fui duas vezes para a frente do posto, uma às 4h30 e a outra às 3h30, e só na segunda vez consegui. Mas isso, depois de arriscar a minha vida e a da minha mãe. Sei que não é justo com as outras pessoas que não podem pagar, mas é a única forma de não madrugar na frente da unidade", afirma a estudante universitária Elaine da Silva Maia, 21 anos.
Ela afirma que comprar fichas para ter acesso a uma consulta médica nos postos de saúde não é uma prática incomum. Elaine diz que conseguiu um preço bom, já que, em geral, segundo ela, o valor cobrado por ficha de atendimetno gira entre R$ 15 e R$ 20.
Na opinião de Elaine, a falta de médicos e, consequentemente, de fichas de atendimentos para todos, causa as filas nas madrugadas e a venda de lugares. "Só manda a gente não madrugar quem tem plano de saúde ou quem nunca teve a necessidade de procurar o serviço público de saúde", afirma.
Ester da Conceição Ferreira, 56 anos, também sofreu para conseguir atendimento médico. No dia 24 de março, ela peregrinou em postos de saúde do bairro do Barreiro, iniciando pela Posto da Família Saudável (PFS), onde não foi atendida por causa da falta de médico. Ela recorreu à unidade de Saúde do conjunto Paraíso dos Pássaros, onde depois de muito tempo conseguiu ser assistida por um médico.
"O problema é que até eu chegar na frente do médico, passei pelas unidades da área onde moro e até pela a de urgência e emergência da Sacramenta. Lá, o atendimento me foi negado, porque, segundo uma funcionária, eu não morava no bairro", afirmou.
A situação de saúde de Ester só melhorou depois que ela, por meio de amigos, marcou uma consulta médica no Hospital Barros Barreto, onde segue em acompanhamento.
Negar atendimento é crime previsto em lei
Suely Cruz enfatiza que a negativa de atendimento pela unidade de saúde, pela recepcionista, médico ou por qualquer pessoa que trabalhe na unidade, pode configurar prática criminosa prevista no Código Penal Brasileiro, no artigo 135, que qualifica a omissão de socorro, onde está previsto que "deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública". Nesse caso, o autor fica sujeito à detenção de um a seis meses, ou multa, mas poderá ser aumentada se a omissão resulta em lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta em morte.
Nesse caso, completa a promotora, a pessoa não atendida ou algum familiar deverá buscar a delegacia de polícia para registrar uma ocorrência, não cabendo à autoridade policial, neste momento, negar-se a fazer a ocorrência sob pena de infringir o art. 319 do Código Penal, que qualifica o crime de prevaricação.
A promotora lembra que em caso de negativa de atendimento ou mal atendimento, os órgãos públicos possuem ouvidorias para as quais o cidadão deve dirigir sua reclamação.
MP recebeu 429 denúncias em 2012 sobre questões médicas
A 5ª promotora de Justiça de Direitos Constitucionais Fundamentais, Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, Suely Regina Aguiar Cruz, explica que, constituicionalmente, todo brasileiro tem direito ao serviço de saúde pública. A negação do serviço implica em penalidades.
A promotora orienta que o cidadão que chegar a uma unidade e não for atendido pode recorrer ao Ministério Público para fazer valer esse direito, considerando que é dever do Estado fornecê-lo.
No ano passado, segundo ela, foram efetuados 429 atendimentos desse tipo. Até abril, foram registrados 177 atendimentos. As demandas mais frequentes, revela a promotora, são pedidos de tratamento, cirurgias, exames, medicamentos e Tratamento Fora de Domicílio (TFD).
Suely Cruz enfatiza que o cidadão morador de Belém "pode e deve ser atendido em qualquer Unidade de Saúde, todavia, o ideal é que o seja na que esteja mais próxima de sua residência" ou em local acessível ao paciente.
Primeiro, pontua Suely Cruz, por causa da facilidade de locomoção e acesso mais rápido. Segundo, porque o paciente precisa ter um prontuário de atendimento, que ainda é manuscrito. Como as unidades de saúde não estão informatizadas, com o preenchumento eletrônico dos prontuários, um posto não tem acesso ao prontuário registrado em outro. O terceiro motivo, segundo a promotora, é que ser atendido no posto mais próximo de casa facilita para que se tenha melhor controle de atendimento, em especial quando se tratar de paciente de doença rara ou crônica, com medicamentos controlados.
Sesma afirma que vai apurar denúncias
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informa, por meio de nota, que tem uma equipe de Supervisão das Unidades de Saúde dentro da Unidade Municipal de Saúde da Tavares Bastos para fazer o monitoramento e a investigação sobre a venda de fichas de atendimento médico.
Sobre o não atendimento na Unidade Municipal de Saúde da Sacramenta de paciente que mora em outro bairro, o órgão garante que trabalha a partir do que preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS), que é o da universalidade do atendimento, o que quer dizer que paciente todo usuário deve ser atendido em qualquer unidade do município.
A assessoria de Comunicação da Sesma esclarece que a Unidade Municipal de Saúde da Marambaia não realiza atendimentos de cardiologia e que a referência para este tipo de consultas é o Centro de Especialidades Médicas e Odontológicas (Cemo).
Unidades na periferia concentram a maioria das reclamações
Os problemas no serviço de saúde pública, em geral, são apresentados pelos usuários nas unidades localizadas na periferia. Darlene Ribeiro Neto, 30 anos, relata que desde o dia 10 tenta obter um encaminhamento para um neurologista no posto do Telégrafo, para que o marido dela, Márcio Ferreira, inicie o tratamento para acabar com dores de cabeça diárias que apareceram depois que ele caiu da laje de sua casa.
"Depois de andar muito, consegui apenas hoje (quarta-feira) o encaminhamento. Primeiro, me mandaram para um ortopedista em uma clínica particular em Icoaraci, então voltei para a do Telégrafo, mas não consegui resolver no mesmo dia. Então, vim novamente aqui e somente agora me deram a documentação, mas ainda teremos que aguardar ligarem para sabermos quando será a consulta. Enquanto isso, o meu marido fica em casa sofrendo com dores", conta, indignada, a dona de casa.
No Posto de Saúde 4, na avenida Augusto Montenegro, no bairro da Marambaia, onde também funciona um serviço de atendimento de urgência e emergência, a dona de casa Lindalva Fernandes tentava, na última quarta-feira, marcar a consulta com um urologista para o pai. Ela conseguiu, mas reclama da demora para o atendimento.
Ela revela indignação, sobretudo, com a situação de idosos que buscam atendimento na rede pública.
. "O meu pai precisa de um cardiologista e aqui não tem. Então, vou ter que esperar agendarem para ele ser consultado. Agora, quando isso vai acontecer?", questiona."
Fonte: Cofen.com
Imagem: Acritica.uol.com.br