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O valor maior de Angelina

19/05/2013

"O valor maior de Angelina

NATALIA CUMINALE

A decisão da atriz de revelar que se submeteu a uma dupla mastectomia preventiva é heroica e reflete também os avanços da medicina na prevenção, detecção e tratamento do câncer de mama

" Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 anos. Conseguiu sobreviver por tempo suficiente para conhecer seus primeiros netos e tê-los nos braços. Mas meus outros filhos não terão a oportunidade de conhecê-la e ver quanto ela era amorosa e carinhosa." Assim começa o emocionante depoimento da atriz Angelina Jolie publicado na semana passada pelo jornal americano The New York Times, intitulado "Minha escolha médica". Aos 37 anos, ela revelou ter se submetido a uma dupla mastectomia preventiva para minimizar o risco de desenvolver câncer de mama. Sua mãe, Marcheline Bertrand, morreu em 2007, depois de uma década de luta contra tumores malignos nas mamas e nos ovários. A avó materna de Angelina também foi vítima do mesmo mal. Lois June morreu aos 45 anos, em 1973. "Muitas vezes conversamos sobre a 'mamãe da mamãe', e me vejo tentando explicar a doença que a tirou de nós", lê-se no artigo assinado pela atriz. "As crianças perguntam se o mesmo poderia acontecer comigo. Sempre respondi que não deviam se preocupar, mas a verdade é que tenho um gene 'defeituoso', o BRCA 1, e isso eleva muito o meu risco de ter câncer de mama e de ovário."

A angústia e o medo embutidos na escolha de Angelina são difíceis de avaliar por quem nunca esteve na linha de tiro dessa condenação genética à morte. Decidir extirpar as duas mamas é uma maneira radical mas compreensível de afastar a sentença fatal. O heroísmo de Angelina está em expor publicamente sua decisão. Mesmo com os processos atuais de reconstrução da mama tendo atingido a quase perfeição cosmética, a escolha natural para uma atriz de beleza primai seria esconder a intervenção. Agora que todos sabem da cirurgia, será que os olhos dos fãs vão procurar imperfeições quando forem exibidas novas imagens de seu corpo milimétrica e generosamente esquadrinhado pelas câmeras de alta resolução? Será que os produtores vão continuar oferecendo-lhe contratos milionários para estrelar filmes como a mulher fatal? Bobagem pensar que essas indagações não passaram pela cabeça de Angelina. Mas ela optou pelo que existe de real valor neste mundo, a vida e a convivência familiar com o companheiro, o ator Brad Pitt, e os seis filhos.

A escolha de Angelina Jolie serve também como um alerta muitas vezes mais poderoso do que aqueles das campanhas tradicionais de prevenção do câncer de mama. A atitude da atriz é uma lembrança de que as mulheres precisam se antecipar à doença - e, em tomando a iniciativa, vão encontrar uma medicina preventiva, de diagnóstico e de tratamento que evoluiu exponencialmente nos últimos anos. Entre 5% e 10% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama ouvirão de seus médicos terem herdado uma sequência trágica de genes como a que levou Angelina Jolie a optar pela mastectomia dupla radical. A maioria das mulheres que vierem a ser diagnosticadas com esse tipo de câncer tem grande probabilidade de ter sido atingidas por um mal preocupante mas curável. A cada ano. 1,5 milhão de mulheres em todo o mundo recebem o diagnóstico dessa doença, entre elas 53000 brasileiras. O câncer de mama ainda mata 458000 mulheres por ano no mundo - 13 000 delas no Brasil. Mas o número de fatalidades cai ano a ano graças aos avanços médicos.

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BOMBA-RELÓGIO

A biomédica Camila Mathias dos Santos, de 28 anos (de camisa azul. na foto), é portadora da mutação no gene BRCA1. A descoberta ocorreu no ano passado, depois que sua irmã. Carolina (no centro), hoje com 29 anos. recebeu o diagnóstico de câncer de mama. A mãe delas, Maria Amália, de 52 anos. também se submeteu ao teste. Como as filhas, ela carrega o defeito genético. Maria Amália optou pela dupla mastectomia preventiva e pela extirpação dos ovários. A caçula das Mathias dos Santos ainda não está segura para entrar na sala de cirurgia e vem sendo submetida a exames periódicos semestrais. "Eu me sinto como se estivesse carregando uma bomba-relógio", define ela. "Perdi a tranquilidade."

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Exames de sangue capazes de identificar mutações genéticas que predispõem ao câncer de mama custam em torno de 7 000 reais. Seja qual for o resultado, eles permitem à mulher e ao seu médico decidirem com mais clareza. "A vida vem com muitos desafios. Aqueles que podemos encarar e sobre os quais podemos ter controle não devem nos assustar", escreveu Angelina. Para as pacientes geneticamente propensas a ter câncer de mama, alternativa à mastectomia dupla é o incômodo diário da quimioterapia preventiva ou dos exames frequentes. "Muitas mulheres que acompanharam o sofrimento de mães ou irmãs na luta contra a doença optam pela cirurgia preventiva", diz Maria Isabel Achatz, diretora do departamento de oncogenética do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo.

Nos Estados Unidos, cerca de 50% das pacientes portadoras dos genes malignos optam pela abordagem cirúrgica radical preventiva. No Brasil, quatro em cada cinco dessas pacientes preferem a vigilância constante, o stress dos testes, e fogem do bisturi. "Indico a cirurgia profilática a toda paciente que chegue ao meu consultório com o teste positivo. É a medida mais eficaz", diz o mastologista Antônio Luiz Frasson, do Instituto de Oncologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A operação reduz em 95% a probabilidade de manifestação da doença. Por que não 100%? Porque o cirurgião tem de manter intacta parte do tecido mamário de modo a garantir a irrigação sanguínea dos mamilos, das aréolas e da pele.

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BATALHA VENCIDA

Em 2008, Maria Eduarda tinha apenas 3 anos quando sua mãe, a artista plástica Tânia Luiza Gine Faitarone, descobriu ter câncer de mama. Na ocasião. Tânia estava com 35 anos. No momento do diagnostico, o tumor já estava com quase 4 centímetros. Tânia tinha reparado no nodulo, mas achou que ele decorresse dos dois anos de amamentação da filha. O câncer estava em estágio avançado, com metástase no fígado. Ela foi submetida a tratamento quimioterápico para a redução do tamanho rio tumor e, em seguida, passou por uma mastectomia. O que parecia improvável alguns anos atrás aconteceu. Os focos da doença no fígado de Tânia desapareceram. Ha quarenta anos, mulheres com indicio de células tumorais no fígado não tinham expectativa de vida superior a um ano depois do diagnóstico. Tânia toma um quimioterapico, faz acompanhamento médico de três em três meses e observa feliz o crescimento de Maria Eduarda.

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Mutações nos mesmos genes respondem por 54% das incidências de tumores malignos nos ovários. "Comecei pelos seios porque o risco de câncer de mama é mais elevado do que o risco de câncer de ovário, e a cirurgia é mais complexa", escreveu Angelina. A retirada dos ovários (ooforectomia, no jargão médico) leva a uma queda drástica na produção dos hormônios femininos, causando a menopausa e todos os sintomas relacionados a ela. A partir dos 40 anos, no entanto, a indicação da cirurgia é incontestável para as mulheres portadoras da mutação genética. O procedimento reduz em 90% o risco de câncer de ovário, tumor de alta agressividade e difícil detecção.

A operação de mastectomia de Angelina Jolie foi feita em três etapas (veja o quadro na página 93). A primeira aconteceu no dia 2 de fevereiro, e a última, em 27 de abril, com a implantação das próteses de silicone. A segunda etapa foi, sem dúvida, a mais complicada e agressiva. A retirada das glândulas mamárias durou oito horas. A atriz saiu da sala de operação do hospital Pink Lotus Breast Center, em Beverly Hills, Los Angeles, com seis drenos, três de cada lado, presos a um cinto elástico. Quatro dias depois da operação, Kristi Funk, a médica de Angelina, a encontrou animada, trabalhando em um novo projeto como diretora - com as paredes da sala cobertas por storyboards.

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NO ALVO

No ano passado, ao receber o diagnóstico de um câncer de mama raro e agressivo (do tipo HER-2). Mana Ivanilde Ribeiro, de 60 anos, sentiu-se desenganada. Em apenas quatro dias, o nódulo na mama esquerda dobrou de tamanho. "Estava me preparando para morrer", conta ela. Submetida a radioterapia e tratada com o medicamento trastuzumabe, uma terapia-alvo que ataca diretamente as células tumorais, ela reagiu, Apesar dos efeitos colaterais, como a queda de cabelo e os enjoos. Maria Ivanilde encontrou a esperança e a força de que precisava para lutar e vencer a doença.

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O câncer foi descrito pela primeira vez no século V a.C. pelo grego Hipócrates. A imagem de um tumor cercado por vasos sanguíneos lembrava-lhe a de um caranguejo enterrado na areia com as patas abertas ao seu redor. Daí o nome "câncer", do grego karkinos, caranguejo. Apesar de todos os avanços, a doença continua a desafiar a medicina. "O câncer não é uma doença, mas muitas. Podemos chamar todas da mesma maneira porque compartilham uma característica fundamental: o crescimento anormal de células", escreve o médico Siddhartha Mukherjee, no excelente O Imperador de Todos os Males - Uma Biografia do Câncer. Tumores idênticos podem responder de formas diferentes a um mesmo procedimento. Além disso, um único câncer pode ser dividido em vários subtipos. Os de mama já somam dez, conforme um trabalho publicado em 2012 na revista científica Nature. "Descobertas desse tipo abrem oportunidade para individualizar ainda mais o tratamento", diz Fernando Maluf, oncologista do Hospital São José, em São Paulo. Segundo no ranking mundial das neoplasias mais incidentes, o câncer de mama é. sem dúvida, o mais estudado - e "está entre os mais curáveis", lembra Paulo Hoff. oncologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Do total de pesquisas em câncer, cerca de 40% delas são sobre os tumores malignos de mama. Estão em estudo cerca de 200 novos medicamentos para o combate da doença. O inimigo não é mais tão implacável, como se vê nos depoimentos das mulheres que ilustram esta reportagem. As cirurgias estão menos agressivas, os medicamentos, mais precisos, e a radioterapia está mais segura (veja quadros nas páginas 98 e 100). As campanhas para detecção precoce funcionam bem. Hoje em dia 80% dos tumores são diagnosticados em estágio inicial, quando as chances de cura chegam a 99% (veja quadros nas páginas 95 e 96). Até para as pacientes mais graves a medicina registra pequenas grandes vitórias. De 1980 para cá, as taxas de sobrevida das doentes em metástase saltou de 6% para 18% nos centros de referência no tratamento do câncer. Em estágio de metástase, ainda é difícil garantir a cura. Os médicos preferem usar o termo controle da doença. Em 30% das doentes, o rumor pode até desaparecer, mas elas são consideradas pacientes crônicas de câncer.

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Medos vencidos

Diretor científico do Instituto Europeu de Oncologia, Umberto Veronesi foi responsável pelo desenvolvimento da quadrantectomia, uma cirurgia conservadora da mama. Veronesi falou a VEJA sobre as perspectivas para o futuro do tratamento do câncer de mama.

O INÍCIO Quando comecei minha carreira como oncologista, no início da década de 50, o tratamento do câncer de mama era muito invasivo e mutilador. A mortalidade era crescente e o mundo cientifico conformou-se com essa situação desesperadora. Eu não podia aceitar a dor que essa doença causava às suas vítimas. Elas não sofriam apenas a dor física, mas também a perda da feminilidade. Naquele tempo, a remoção das mamas e dos linfonodos era uma regra inquestionável para o câncer em qualquer estágio.

A QUADRANTECTOMIA Quando apresentei meu projeto de pesquisa em um congresso médico, todos protestaram contra a minha ousadia - para não dizer imprudência. Atrevi-me a pôr em discussão algo que era considerado a grande conquista da cirurgia para o câncer, a mastectomia Halsted. Lembro de um professor de cirurgia me defendendo, dizendo que o progresso na ciência às vezes precisa de ideias corajosas, mesmo que aparentemente fujam à tradição. Em 1981, os resultados publicados no The New England Journal of Medicine mostraram que a cirurgia conservadora da mama era tão efetiva quanto a mastectomia radical.

O FUTURO Precisamos focar três objetivos: redução na agressividade dos tratamentos (cirurgia, radioterapia e quimioterapia), antecipação do diagnóstico e aumento da participação das mulheres na detecção precoce. Se alcançarmos esses objetivos, poderemos cheira uma mortalidade por câncer de mama próxima de zero nas décadas futuras. O câncer de mama é um dos que mais se beneficiaram dos avanços científicos e tecnológicos e frequentemente representa um modelo para estudar e testar novas abordagens terapêuticas para outros tipos de câncer. Há várias razões para isso. O seio é um órgão externo e por isso não é difícil estudá-lo com técnicas de imagem. Como a doença é frequente, facilita a organização de pesquisas clínicas. 0 papel das mulheres na conscientização não deve ser menosprezado. Participando dos programas de detecção precoce, elas venceram seus medos e conquistaram a própria salvação.

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Desde a primeira extirpação mamária, em 1882, realizada pelo cirurgião americano William Halsted, "um cirurgião perfeccionista que desbastava o câncer com operações cada vez maiores e mais desfiguradoras, na esperança de que, quanto mais cortasse, maior seria a possibilidade de cura", conforme descrição no livro O Imperador de Todos os Males, até hoje, todos os tumores de mama passam por cirurgia. As mastectomias radicais foram tratamento-padrão até a década de 80. quando o cirurgião italiano Umberto Veronesi desenvolveu a quadrantectomia - a extirpação ape-

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RECOMEÇO A preocupação com o câncer surgiu quando o pai da dentista Andréa da Riva Tamaoki descobriu um tumor na próstata, em 2001. Assustada, ela começou a fazer check-ups frequentes de modo a evitar que fosse pega de surpresa pela doença. Durante sete 9 anos, os exames anuais não detectaram nada de anormal, além de um nódulo benigno. Em 2008, porem, o temido diagnóstico veio. Andréa estava com câncer de mama - e de um dos tipos mais agressivos. Durante três anos, ela passou por uma mastectomia, sessões de radio e quimioterapia e de fisioterapia para fortalecer a musculatura dos braços. Não foi nada fácil, mas poderia ter sido pior se o tumor tivesse avançado.

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nas do quadrante da mama em que se encontra o tumor (veja a entrevista com o médico na pág. 97). Em meados dos anos 90, descobriu-se que, se o primeiro gânglio da axila, o linfonodo sentinela, não estiver contaminado por células doentes, é possível preservar todos os outros gânglios. "Com isso, diminuem muito os riscos de inchaço, infecções locais e perda de sensibilidade dos braços'*, diz a médica Maria do Socorro Maciel, diretora do núcleo de mastologia do Hospital A.C. Camargo.

A tendência, apostam os médicos mais otimistas, é que em um futuro não muito distante alguns casos de câncer de mama até dispensem a necessidade do bisturi. "Um estudo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, em novembro de 2012, indica que cerca de 30% das pacientes submetidas a cirurgia por causa de tumores muito pequenos, inferiores a 5 milímetros, talvez nunca viessem a desenvolver clinicamente o câncer de mama", diz o mastologista Antônio Luiz Frasson. Por que, então, foram operadas? "Porque ainda não dispomos de tecnologia para determinar os tumores que vão evoluir", completa o médico. Enquanto isso não acontece, é possível domar o câncer de mama com as armas oferecidas atualmente pela medicina. Como fez Angelina. Escreveu ela: "É animador que eles (os filhos) não vejam coisa alguma que lhes cause desconforto. Veem as pequenas cicatrizes que ficaram, e só isso. Tudo o mais é a mamãe, a mesma à qual eles estão acostumados. Eles sabem que farei qualquer coisa para ficar com eles o maior tempo possível".

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ELA TAMBÉM PODE

O diabetes e a idade avançada não impediram que Geralda de Souza Oliveira, hoje com 85 anos. fosse tratada do câncer de mama no ano passado. Por causa da idade e das complicações de saúde, o primeiro médico que a atendeu não quis operá-la - uma atitude comum entre os médicos da década de 80. Graças a cirurgias mais conservadoras e tratamentos mais precisos, pacientes como Geralda hoje em dia podem. sim. ser operadas. Submetida a uma quadrantectomia (retirada de apenas um quadrante da mama) e a dezesseis sessões de radioterapia. Geralda se recuperou sem sobressaltos."

Fonte e Imagem: Cofen.com