Nova classe média agora quer mais serviços
26/08/2012
Nova classe média agora quer mais serviços
Viagens, cursos de qualificação profissional e de idiomas são os atuais sonhos de consumo da classe C
RIO - Não são apenas as relações familiares que mudaram nos lares brasileiros. Mudaram também as relações de consumo, principalmente nas famílias da nova classe média. Depois de usar o crédito facilitado para comprar carro, TV, celular, computador e trocar o fogão e a geladeira, elas têm novos desafios pela frente: pagar as dívidas, manter o padrão de consumo conquistado e ampliar sua presença na sociedade investindo em serviços. Cursos de qualificação profissional, de idiomas e as viagens de férias são alguns dos seus novos sonhos.
A casa própria continua na lista das conquistas quase impossíveis. Alguns creem que melhorando o perfil profissional terão mais condições de aumentar a renda e financiar a compra de imóvel. Até lá, as famílias das classes C e D que alcançaram o mercado de consumo na última década fazem malabarismos para manter o orçamento em ordem. O que poucos conseguem.
- Tenho cinco cartões de crédito. Não consigo mais pagar todos ao mesmo tempo, então, fico cobrindo um santo para descobrir outro. Devo uns R$ 3 mil. Não é muito, mas como os juros são altos, vira uma bola de neve. O que quero agora é fazer meus cursos de especialização em estética. Mas ainda estão muito caros - diz Paola Errico, que ganha cerca de R$ 3 mil mensais como depiladora de um salão de beleza na Zona Norte.
Sem planejamento e sem poupança
Mãe de um menino de 5 anos, Paola ganha mais do que o marido, que tem carteira assinada, e decide as compras da família, sempre parceladas em muitas vezes. Na casa de Paola, além do Gol 1998 dividido em 32 prestações, há TV de 42 polegadas, computador, dois celulares, fogão e geladeira novos, câmera fotográfica e filmadora. A ex-manicure, que concluiu o Ensino Médio em escola pública, também paga plano de saúde para ela e o filho, que tem bolsa integral em colégio particular.
- Moramos em um imóvel da família, mas quero ter a nossa própria casa. Este ano estou segurando mais os gastos - afirma Paola, que admite nunca ter colocado no papel o orçamento da família nem ter iniciado uma poupança: "Se tenho dinheiro, compro. Se não, deixo para depois. Poupar é difícil."
O maranhense Manoel Barbosa da Silva fala com orgulho dos bens comprados nos últimos tempos: duas TVs de LCD, dois notebooks, dois celulares, câmera fotográfica. Tudo com a renda mensal obtida com a venda de balas, biscoitos e refrigerantes em sua barraca próxima a escolas particulares. O valor atual ele não revela, mas diz que juntou o equivalente a seis salários-mínimos.
Para essas famílias, a casa é o centro de lazer. Pesquisa da consultoria GS&MD - Gouvêa de Souza, apresentada na quinta-feira passada no 15º Fórum de Varejo da América Latina, em São Paulo, mostrou que 49,5% dos entrevistados dizem passar o tempo com a família em casa. O mesmo levantamento, realizado com 360 pessoas na capital paulista, mostrou um maior nível de maturidade do consumidor das classes C e D.
- Hoje ele sabe de seu poder e exige ser bem atendido - explica Luiz Góes, coordenador da pesquisa.
Na função há 26 anos, Manoel, ex-garçom que também trabalha como churrasqueiro nos fins de semana, conseguiu há dois anos viajar de férias com a família para o Nordeste. As passagens de avião foram compradas em seis prestações pela internet.
- Pesquisei muito. Vi que viajar durante a semana e em horários pouco procurados reduz o preço da passagem. Ir a Fortaleza foi inesquecível - diz a universitária Giulliana Barbosa de Sousa, que estudou inglês por cinco anos e sonha visitar os EUA.
Segundo a antropóloga Carla Barros, professora da Universidade Federal Fluminense, o papel da mulher nessa nova família mudou. Ela quer melhorar profissionalmente, estudar mais.
Já Manoel quer conhecer mais o Brasil antes de atravessar fronteiras:
-Estou pensando em ir a Natal e também quero conhecer Foz do Iguaçu - diz ele, que costuma levar a família para almoçar fora aos domingos.
Ele garante controlar o orçamento e diz não se importar com o aluguel:
- Não financiei a casa própria ainda porque investi na educação da minha filha. Vê-la formada será a maior alegria da minha vida.
Para o professor Márcio Rolla, da ESPM-RJ, o desejo de frequentar mais cursos e viajar pode não estar relacionado apenas à vontade real de melhorar a qualidade de vida:
- A sociedade está criando dependentes do consumo. O estudo é também a busca por mais potencial competitivo no mercado de trabalho e status. Assim como as viagens. A pessoa faz questão de dizer que esteve em um lugar que o vizinho não conhece.
Fonte: Oglobo.com