Nem de mais, nem de menos
28/04/2013
"Nem de mais, nem de menos
Pedro Rubens
Muito iodo no sal faz mal. Pouco também. A Anvisa reduz o teor do micronutriente no sal de cozinha para tentar controlar a incidência das doenças da tireoide no Brasil
Natalia Cuminale
Desde a década de 50, é obrigatória no Brasil a adição de iodo ao sal de cozinha. A medida tem por objetivo o controle das doenças associadas à carência do mineral, especialmente o bócio, distúrbio responsável pelo mau funcionamento da glândula tireoide. A estratégia funcionou. Entre 1955 e 2000, o número de doentes se reduziu drasticamente. Caiu de 20,7% para 1,4%. Agora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu diminuir o teor do micronutriente no sal, o que deve acontecer em noventa dias. Com base em pesquisas do início dos anos 2000, os técnicos do Ministério da Saúde argumentam que os brasileiros estão consumindo iodo demais. Em excesso, o mineral pode levar à tireoidite de Hashimoto, doença autoimune associada ao hipotireoidismo. Comum em mulheres a partir dos 35 anos, ela afeta entre 3% e 7% das brasileiras.
Atualmente, o volume de iodo varia de 20 a 60 miligramas por quilo de sal. A decisão da Anvisa estipula os novos parâmetros em 15 a 45 miligramas (veja o quadro na pág. ao lado). Na prática, isso significa 14% a menos de iodo, em média, todos os dias na dieta do brasileiro. Ainda assim, é quase o triplo da quantidade preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Não há dados que meçam o impacto dessa redução na incidência da tireoidite de Hashimoto. Mas os especialistas ouvidos por VEJA aprovam a iniciativa. A única advertência se dá em relação às grávidas. Diz Nina Musolino, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM): "Durante a gestação, as mulheres já são incentivadas a consumir menos sal, devido ao risco de hipertensão. Agora, com a medida da Anvisa, a ingestão de iodo tende a ficar abaixo do recomendado. Os médicos deverão incluir o iodo na lista de suplementos já recomendados". A falta do mineral durante a gravidez pode levar ao desenvolvimento inadequado do sistema nervoso central do feto.
Não é a primeira vez que o Brasil altera a concentração de iodo no sal de cozinha. Entre 1998 e 2003, por exemplo, o limite máximo permitido chegava a 100 miligramas por quilo do alimento. Isso, sim. era um exagero. Em apenas cinco anos. o número de portadores da tireoidite de Hashimoto aumentou de 7% para inacreditáveis 19%.
O ideal é que, periodicamente, de cinco em cinco anos, sejam realizadas pesquisas para avaliar o consumo de iodo pela população. Isso porque o micronutriente é extremamente sensível à ação de uma série de fatores externos. Do processo de iodação à maneira pela qual o sal é empacotado. transportado e estocado, muitas variantes podem alterar a concentração do mineral no alimento. O solo também exerce influência. Frutas, legumes e vegetais plantados próximo ao mar são mais ricos em iodo do que os alimentos provenientes do interior. Quem tem uma alimentação rica em peixes de água salgada tende a ter mais iodo circulando pelo organismo do que quem gosta mesmo é de um bom churrasco. Até o modo de preparo dos alimentos pode modificar o teor de iodo encontrado no sal. O calor, por exemplo, chega a reduzir em até 20% essa concentração. Deixar o sal perto do fogão também faz com que parte do micronutriente desapareça. Há que levar em consideração ainda as perdas ocorridas no processo de absorção do mineral pelo organismo. Ingerido o sal, o iodo cai na corrente sanguínea e se espalha pelo organismo. Na glândula tireoide, ele é usado na síntese dos hormônios T3 e T4, envolvidos no controle do ritmo metabólico e essenciais ao bom funcionamento do organismo. O que não é utilizado pela tireoide é metabolizado no fígado e depois excretado. Nesse trajeto, chega-se a eliminar até 30% do iodo ingerido sob a forma de sal.
O iodo foi descoberto acidentalmente, em 1811. pelo químico francês Bernard Courtois (1777-1838). Trabalhando para o exército de Napoleão, ele era responsável pela fabricação de salitre, matéria-prima da pólvora. Certa vez, Courtois exagerou no ácido sulfúrico e, ao despejá-lo sobre um amontoado de cinzas de alga marinha, formou-se uma imensa nuvem roxa da mistura. O vapor se cristalizou sobre as superfícies frias de seu laboratório. Era iodo, do grego iódes, que significa violeta. A importância do mineral para a saúde, no entanto, só seria atestada em 1922.
O brasileiro consome muito iodo por uma razão simples: nós exageramos no saleiro e nas comidas industrializadas. Atualmente, o consumo de sal gira em torno de 12 gramas diários, quando o recomendado são apenas 5. Desde 1998, o padrão de consumo de sal de cozinha peIas famílias brasileiras manteve-se entre 8,5 e 9,4 gramas. "O que mudou brutalmente foi a ingestão diária de sal por intermédio da comida industrializada, que passou de 1,5 grama para quase 4 gramas", diz o endocrinologista Geraldo Medeiros, professor sênior da Universidade de São Paulo (USP) e a grande autoridade brasileira no assunto. Um prato de sopa pronta ou um pacote de macarrão instantâneo já contém a quantidade máxima recomendada de sal por dia. Se o abuso do alimento estivesse relacionado apenas ao exagero de iodo, a nova medida da Anvisa resolveria o problema. Mas não. Principal componente do sal. o sódio está relacionado à hipertensão, fator de risco para infartos e derrames. Uma redução de apenas 1 grama de sal todos os dias evita 10% das mortes por doenças cardiovasculares, o que representa, em termos globais, em torno de 1 milhão de vidas salvas anualmente. Ou seja, independentemente da determinação da Anvisa, a medida mais efetiva em nome da boa saúde é ficar longe do saleiro.
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O que muda
Com base em estudos do início dos anos 2000, que indicavam uma concentração quase duas vezes maior de iodo no organismo dos brasileiros, a Anvisa decidiu diminuir em 14%, em média, o teor do micronutriente no sal. Apesar da redução, a quantidade de iodo consumida no país continuará acima dos valores preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Novas alterações só devem ocorrer depois de pesquisas mais atualizadas sobre o assunto"
Fonte e Imagem: Cofen.com