Lourenço Bustani:
14/02/2013
"Lourenço Bustani: "O Brasil é um país muito curto-prazista"
O empresário Lourenço Bustani, sócio da empresa Madalah(Foto: Divulgação)
O empresário brasileiro afirma que o país precisa rever sua maneira de fazer negócios para aproveitar os investimentos da Copa e Olimpíada O empresário Lourenço Bustani, sócio da empresa Madalah(Foto: Divulgação)
O trabalho de Lourenço Bustani, sócio da consultoria Mandalah, é desenvolver produtos, serviços e campanhas que dêem lucro a seus clientes e melhorem a vida das pessoas. Há sete anos, Bustani fundou com o publicitário Igor Botelho a empresa, que faz o que eles chamam de R20;inovação conscienteR21;. A ideia deu certo. Entre seus clientes, a Mandalah já atendeu empresas como a Nike, General Motors, Petrobrás, Pepsi e Natura e instituições como o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos do Rio. Especialista em inovação, Bustani afirma que as companhias brasileiras não pensam a longo prazo. R20;E a falta de visão prejudica qualquer projeto inovadorR21;, afirma. Eleito no ano passado a 48º pessoa mais criativa do mundo dos negócios pela revista Fast Company, Bustani diz que o Brasil precisa mudar sua mentalidade para aproveitar os investimentos que entraram e estão entrando no país por conta da Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. R20;Esses eventos trazem uma reflexão sobre o futuro que queremos ser. O país tem uma oportunidade única e histórica, e não deve desperdiçá-laR21;, afirma.
ÉPOCA R11; Qual o cenário da inovação no Brasil?
Lourenço Bustani R11; O brasileiro não precisa se esforçar para conseguir inovar. Ele tem um espírito raçudo porque sempre teve que fazer muito com pouco. A diversidade cultural brasileira também ajuda. Mas não dá para inovar no vácuo. É preciso ter um ambiente propício, com incentivos. E não falo somente de ajuda financeira. O Brasil tem que mudar a cultura atual de fazer negócios e empreender. E deve recompensar pessoas com coragem de fazer isso acontecer. No momento, o contexto brasileiro para renovação está deficitário. O governo não está comprometido para valer. Nós vemos novas políticas e investimentos sendo feitos, mas isso é muito pouco comparado com o que deveria ser. Basta olhar as taxas de investimento e o resultado deles no Brasil em comparação a países em desenvolvimento ou desenvolvidos. É muito discrepante. Um país que tem a sexta maior economia do mundo deveria ter uma colocação melhor em qualquer índice, como o de número de patentes (segundo relatório publicado em dezembro pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o Brasil não está entre os 20 países com mais patentes concedidas).
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ÉPOCA R11; O Brasil não tem tradição em inovar. É possível identificar se o país está melhorando?
Bustani R11; É difícil. Do ponto de vista das flutuações econômicas e mercadológicas, percebe-se que quando o mercado desaquece, os investimentos são suspensos. Com isso, é natural ter um grau de inovação mais baixo. E mercados aquecem e desaquecem de maneira cíclica, historicamente. Aqui, esse ciclo é exacerbado porque não existe o conceito de continuidade. O Brasil é, neste sentido, um país extremamente eleitoral. Para se reeleger, um político promete investir nisso e aquilo no final do governo e depois não mantém o que foi dito. E não se cria uma cultura de inovação num mandato. É um processo de longo prazo. Só depois de muitos anos, com uma estrutura propícia, é que os resultados florescem. A falta de visão prejudica qualquer projeto ou ideia inovadora. Empresas e governos mudam seus planos constantemente.
>> Alexander J. Field: R20;O carro teve mais impacto que o smartphoneR21; ÉPOCA R11; E ideias precisam ser incubadas para dar resultados.
Bustani R11; Exatamente. Por exemplo, um dos maiores desafios de um fundo de venture capital, de capital de risco, é conseguir se sustentar por anos enquanto uma investida não dá lucro. Não é incomum perder dinheiro por oito anos até colher resultados. Então é preciso ter paciência. Mas o Brasil é um país muito curto-prazista. Às vezes, um investimento de inovação vai transcender todos aqueles trimestres que a empresa precisa mostrar resultado. Pense numa empresa grande. A capacidade dela de investir numa nova fábrica vai depender da mesma se alavancar. Ou seja, tirar um empréstimo para aí sim investir.
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O problema é que a capacidade dela para conseguir aquele empréstimo depende dos seus resultados trimestrais. É muito difícil crescer e aprimorar os resultados do trimestre ao mesmo tempo. É complicado de enxergar as coisas num médio a longo prazo. Esse é o grande enfrentamento de paradigmas no mercado. Bancos operam de uma forma, e eles são os injetores de capital no mercado. Já as empresas precisam pensar na sua perpetuidade a longo prazo. Existe um conflito de interesses. E ele impede muito a visão de longo prazo.
ÉPOCA R11; O senhor acredita que o mercado brasileiro passou a incentivar a inovação nas empresas?
Bustani R11; Eu diria que sim.
ÉPOCA R11; Mas há risco de retroceder?
Bustani R11; O mercado pode desaquecer novamente. E a primeira coisa que ocorre após ele esfriar é a suspensão ou anulação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. É um risco que sempre corremos. Mas é possível que, com uma mudança na cultura de fazer negócios, as pessoas e empresas se preparem melhor para o longo prazo. E entendam que eventuais mudanças econômicas não deveriam impactar tanto essa visão em relação aos investimentos. Uma coisa transcende a outra. Mas eu ainda percebo no meu dia a dia é que, se alguma coisa acontece na economia europeia ou americana, eu sei que sofrerei aqui no sentido de orçamentos que não serão liberados ou diminuídos. O Brasil é muito apegado aos outros mercados.
>> Li Jinzhang: R20;A China quer deixar um legado de inovaçãoR21; ÉPOCA R11; A empresa brasileira resiste mais que uma estrangeira para renovar seus valores e cultura corporativa?
Bustani R11; O povo brasileiro é paradoxal por excelência. Ele que se acomoda com a situação atual, deixa os problemas se perpetuarem. O Brasil é chamado o país do futuro há muito tempo, mas parece que não está nem aí. Chegou agora o nosso momento e o quê a gente está fazendo de verdade para aproveitá-lo? A educação anda mal, a saúde pública também. As cidades não têm infraestrutura nem transporte público de qualidade. É difícil dizer. No meu trabalho, eu enfrento muita resistência à mudança. Porque trago paradigmas novos que batem de frente com os antigos e as pessoas têm medo de mudar. É muita inércia. Foram muitos anos, muitas décadas de um jeito tal de se fazer as coisas. E é difícil mudar isso. Lá fora também existe resistência, mas num grau menor. Simplesmente porque as pessoas são mais informadas mesmo. O Brasil sofre com a falta de educação em todos os níveis, do norte ao sul, do pobre ao rico. O déficit educacional é nosso calcanhar de Aquiles. É o que emperra qualquer processo de mudança de cultura radical. E, até a gente reconhecer isso, nunca conseguirá chegar ao nosso potencial.
ÉPOCA R11; Dado esse cenário, o Brasil tem chance de se tornar uma referência mundial de inovação?
Bustani R11; Não de forma transversal, em todas as indústrias. Ao menos nos próximos anos. Pode ser que o país se especialize e ganhe destaque num setor ou outro. O Brasil tem a robustez em algumas indústrias para liderar alguns movimentos inovadores de dimensão global. Mas é pouco se for restrito somente a uma única grande empresa. Quando falamos do Brasil como produtor de inovação, devemos pensar além da pessoa jurídica. Temos que enxergar todas as camadas da sociedade.
>> Mais notícias de Tecnologia ÉPOCA R11; O senhor acredita que o país continuará a inovar mesmo após a Copa de 2014 e a Olimpíada em 2016? Os investimentos não diminuirão drasticamente?
Bustani R11; Depende. Caso a gente avalie nosso futuro de acordo com o nosso passado, os investimentos cairão. Seria lógico prever um retrocesso com a descontinuidade das políticas e dos processos. Mas eu não posso acreditar que o brasileiro seja tão bobo a ponto de sabotar a si mesmo, cometendo os mesmos erros. A Copa e a Olimpíada trazem uma reflexão sobre o futuro que queremos ser. O país tem uma oportunidade única e histórica, e não deve desperdiçá-la. Não é possível que, com tantas pessoas capazes e inteligentes, o país não consiga virar essa chave de uma vez por todas."
Fonte: Cofen.com
Imagem: Cofen.com