Laboratórios vão avisar sobre fim da produção
03/05/2013
"Laboratórios vão avisar sobre fim da produção
Correio Braziliense - 03/05/2013
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai baixar normas para minimizar danos causados por laboratórios que interrompem a fabricação e o fornecimento de medicamentos. A regulamentação atual determina que a indústria informe à Anvisa, com, no mínimo, seis meses de antecedência, a intenção de interromper a produção de alguma droga ou produto. Também deve apresentar garantia de fornecimento do remédio nesse período. A autarquia não tem poderes para interferir na decisão empresarial. Uma das alternativas é facilitar a importação do medicamento descontinuado, isentando-o de registro na agência até que um fornecedor seja credenciado. O processo para normalizar a situação, no entanto, nem sempre é rápido.
Presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Carmino Antônio de Souza destaca a necessidade de uma intervenção rápida do governo nessa questão. "Senão, vamos ter doente morrendo por falta de remédio. Tem de ficar claro quais são as razões que levaram o laboratório a parar de fornecer. Se foi dinheiro, se foi o produtor mundial que parou."
No início do ano, no Distrito Federal, o Hospital da Criança ficou com pouquíssimos frascos do remédio L"asparaginase, usado no tratamento de leucemia linfoide aguda. Isso ocorreu porque o laboratório Bagó decidir interromper o fornecimento do produto.
A demanda do hospital é de 40 frascos por mês, mas, em janeiro, só havia 17. "Agora, estamos com um estoque para dois meses, mas sempre há aquela incerteza até que seja definido um novo fornecedor", explica uma das diretoras da unidade, a oncologista e hematologista pediatra Isis Magalhães. Na época, outros hospitais pelo país também sofreram com a falta do remédio. Atualmente, para suprir a demanda, o Ministério da Saúde importa o L"asparaginase em caráter emergencial, enquanto negocia com dois laboratórios a fabricação e o fornecimento de uma droga equivalente.
Segundo o diretor de Regulação da Anvisa, Jaime Oliveira, embora sejam buscadas alternativas a partir do momento em que a agência é notificada (com 180 dias de antecedência), é necessário melhorar a comunicação com instituições estrangeiras. "Precisamos aprimorar a articulação com outros países para agilizar o processo de verificação da disponibilidade de medicamentos fora do Brasil", cita. "Temos de saber as razões exatas pelas quais a empresa vai descontinuar (o remédio), saber se é só no Brasil ou se (a descontinuidade) é mundial. A empresa tem de informar qual é o estoque, para garantirmos que, nesses seis meses, o fornecimento será mantido", explica.
Oliveira diz também que, uma vez que o laboratório informe as razões que o levaram a interromper a distribuição de um remédio, a Anvisa fará a comunicação a centros clínicos e hospitais, para que eles também possam ter a opção de procurar alternativas terapêuticas. Em menos de três meses, a iniciativa da autarquia será transformada em proposta e poderá ser submetida à consulta pública.
O diretor explica que não há um padrão determinado para os laboratórios que decidem interromper o fornecimento de um medicamento. "Uma das razões pode ser a inviabilidade comercial, a falta de custo-benefício. Outras têm a ver com o custo de produção ou com a falta de matéria-prima", diz. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Anderson Silvestrini, é frequente ver medicamentos que já perderam patente ou que têm baixo retorno financeiro faltarem no mercado. "Ocorre muito com drogas órfãs, destinadas a um número pequeno de pessoas."
No caso do L"asparaginase, Silvestrini disse, na época, que a baixa rentabilidade foi o motivo para a interrupção do fornecimento: o remédio custava R$ 80 e atendia a cerca de mil pessoas por ano.
Falta momentânea
Outra situação recorrente nos hospitais é a falta momentânea de alguns remédios. Neste ano, o Hospital da Criança e o Centro Infantil Boldrini (outra unidade de referência no tratamento de câncer) ficaram com baixos estoques do remédio Lanvis, também usado para leucemia linfoide aguda e de alguns tipos de linfoma. A coordenadora do Hospital da Criança, Isis Magalhães, disse que há cerca de um mês recebeu uma carta do laboratório britânico GlaxoSmithKline (GSK) informando a interrupção do fornecimento da droga. O GSK explicou que, desde o ano passado, estava em curso o processo de transferência do registro do medicamento para o Aspen Pharma do Brasil, que já está autorizado a fornecer o Lanvis. "O problema é que é difícil saber exatamente o que está acontecendo", reclama Isis.
"São drogas mais antigas, produzidas em mercados clássicos ou alternativos, e que, periodicamente, desaparecem do mercado, não só no Brasil, mas no mundo. Ou o laboratório deixa de produzir ou o estoque é insuficiente", conta o presidente da ABHH, Camino Antônio de Souza.
"Temos de saber as razões exatas pelas quais a empresa vai descontinuar (a produção), se é só no Brasil ou se é mundial. A empresa tem de informar qual é o estoque, para garantirmos que, nesses seis meses, o fornecimento será mantido"
Jaime Oliveira, diretor de Regulação da Anvisa
Memória
Incertezas de mercado
Além do caso do L"asparaginase, que teve o fornecimento interrompido no início do ano, o governo já foi obrigado a interferir em outras situações para evitar a falta de determinados remédios no mercado. Em 2008, o país teve de iniciar a produção do Benzonidazol, usado para o tratamento da doença de Chagas, após o laboratório suíço Roche interromper a fabricação do produto, com a alegação de que não era mais rentável. O Ministério da Saúde decidiu assumir a fabricação do remédio por meio de uma parceria entre um laboratório público e um privado.
Atualmente, o Benzonidazol supre o mercado brasileiro e é exportado para 15 países. Mesmo nacionalizando a produção do medicamento, o fornecimento foi posto em xeque três anos depois. Em 2011, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) interrompeu temporariamente a produção da droga por falta de matéria-prima. Como o laboratório público é o único fabricante mundial do produto, a organização humanitária internacional Médicos sem Fronteiras temeu, na época, que a interrupção pudesse acarretar um eventual desabastecimento.
Outro caso ocorreu em 2009, quando o Genzyme, único produtor mundial do Taliglucerase, usado no tratamento da doença de Gaucher, comunicou a suspensão temporária da fabricação do remédio depois de contaminação de seus equipamentos por um vírus. O Ministério da Saúde, então, conseguiu com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para comprar e distribuir, sem o registro na autarquia, a droga, que passou a ser produzida pela norte-americana Pfizer."
Fonte: Correio Braziliense