Intoxicação pode ter sequelas 10 anos depois
10/02/2013
"Intoxicação pode ter sequelas 10 anos depois
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Queimaduras, explica as consequências da fumaça
Fábio Sales fabio.sales@abcdbomdia.com.br A tragédia, ocorrida há duas semanas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que registra 238 mortes, tem levantado questões além da segurança nos estabelecimentos e casas noturnas. O BOM DIA conversou com o professor da Faculdade de Medicina do ABC, Sidney Zanasi, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Queimaduras, sobre como deve ser realizado o primeiro atendimento, as complicações para os pacientes que inalaram fumaça e orientações sobre como proceder para sobreviver diante da exposição a gases tóxicos. BOM DIA_ Sob o ponto de vista médico, qual a avaliação do incidente?SD_ Na verdade, na tragédia ocorrida em Santa Maria houve queimadura das vias aéreas dos jovens, em virtude da inalação da fumaça, que causa a lesão inalatória, considerada bastante grave.
As pessoas que estavam no ambiente inalaram gases derivados de materiais sintéticos que, com a combustão, são altamente corrosivos para mucosa respiratória. Daí, o monóxido de carbono que se forma a partir da queima de materiais entra pelo pulmão e ocupa espaço nos glóbulos vermelhos no lugar do oxigênio, o que causa a alteração respiratória que provoca a morte. Quais são as consequências imediatas para as pessoas que inalaram a fumaça?Depende da quantidade. Mais de 30% de substâncias tóxicas inaladas já é considerado estado grave. Para elucidar como se chega ao porcentual, um exame é feito para saber a quantidade de monóxido de carbono que a pessoa inalou. O sintoma, neste caso, é uma dor de cabeça. Mas se for a partir de 50%, o indivíduo pode ter perda da consciência, podendo ser fatal. Quais as complicações para os sobreviventes do incêndio?A inalação da fumaça, por si só, já afeta o organismo.
As consequências maiores se deram por ser num local fechado. A inalação de substâncias tóxicas provocou as queimaduras internas, provenientes da fumaça quente. A alta temperatura causa lesões na traqueia e nos brônquios, chega ao pulmão - onde ocorre a troca de gases, oxigênio e gás carbônico - que pode desenvolver a pneumonia química. Os jovens que ficaram internados nos hospitais, por volta de 70%, estão colhendo as complicações da inalação destes gases. Os sintomas da pneumonia aparecem entre o terceiro e quinto dia. Neste intervalo, o paciente tem falta de ar, tosse e expectoração. A intoxicação pode trazer sequelas futuras ou ocasionar a morte em pouco tempo?Os pacientes, primeiramente, são submetidos a um trabalho de fisioterapia e uso de aparelhos para salvar o pulmão. Mas, em muitos casos sim, apresentarão sequelas físicas e psicológicas no futuro. Cito como exemplo, o episódio do World Trade Center em 2001, em Nova York onde os bombeiros que participaram da ação, dez anos depois passaram a ter problemas respiratórios, pela inalação de partículas de cimento.
É importante observar que temos dois grupos de pacientes: a inalação de substâncias tóxicas e as queimaduras internas provocadas pela inalação da fumaça quente. Na minha dissertação de mestrado Estudo clínico e epidemiológico dos óbitos por queimaduras", estudei a sobrevida dos pacientes que passavam pela UTI de Queimados, na qual identifiquei como principal causa de morte a pneumonia. O pulmão é um dos órgãos mais comprometidos. Por outro lado, os que sobreviveram por mais tempo foram aqueles com infecção generalizada. Na opinião do senhor, o que pode ter contribuído para a tragédia no Sul?Numa festa de jovens, onde o consumo de bebida alcoólica não é pouco, é fator que contribui para reduzir a possibilidade de se escapar a tempo. O álcool deixa os reflexos comprometidos, o que pode implicar numa demora em encontrar a saída correta do local. Em situações de incêndio em locais fechados, como galpões, shoppings e estabelecimentos comerciais, qual a recomendação para a pessoa escapar ilesa do acidente?Mesmo em pânico, se controlar.
O processo de combustão dos gases faz com que a fumaça fique na parte alta. O ideal é a pessoa, com um pedaço de pano cobrir o nariz e a boca, ir rastejando até a saída. Senão conseguir rastejar, tentar se agachar o máximo possível. Pacto para suprir falta de Hospital de QueimadosSem centro especializado para atender vítimas com queimaduras e intoxicadas por gases , municípios da ABCD tem que recorrer a força tarefa em caso de grandes acidentes. Os pacientes têm como referência na região o Hospital Estadual Mário Covas e o Hospital Estadual Serraria A falta de um hospital especializado em queimaduras ainda é um gargalo enfrentado no ABCD. Em incêndios de grandes proporções que ocasione muitas vitimas, após socorro inicial em unidades hospitalares da região, os pacientes são encaminhados aos hospitais de referência na Capital, que possuem unidades de grandes queimados, como o Hospital São Paulo e do Tatuapé.
Infelizmente, na região não há Centro de Queimados. Temos muitas indústrias e os acidentes são rotineiros, com vários casos de queimaduras na indústria automobilística ou de queimaduras químicas, sem ter hospital especializado para atendimento na primeira semana , enfatiza o professor da Faculdade de Medicina do ABC, Sidney Zanasi. O equipamento requer grande investimento, pois deve funcionar em estrutura isolada das demais áreas do hospital e necessita de centro cirúrgico próprio, áreas de UTI e internação, além de equipes com treinamento para os curativos. Sem previsão de instalação de uma unidade no ABCD, os sete municípios firmaram pacto para atuação conjunta em incêndios de grandes proporções. Dessa forma, os pacientes têm como referência o Hospital Estadual Mário Covas (Santo André) e o Hospital Estadual Serraria (Diadema). Todas essas unidades possuem equipes de cirurgia geral, neurocirurgia e ortopedia de plantão, assim como estrutura de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva).
O secretário de Saúde de São Bernardo e membro do GT Saúde do Consórcio Intermunicipal ABC, Arthur Chioro, analisa que o contingente de hospitais para prestar o primeiro atendimento no ABCD, além da proximidade com a capital, é suficiente para atender a demanda. Temos equipes preparadas para prestar os primeiros socorros. Exemplo concreto foi o grande incêndio numa fábrica de produtos químicos em Diadema (2009) - não houve registro de mortes, mas 18 pessoas tiveram de ser levadas até hospitais da região para atendimento. Mobilizamos o SAMU de outras cidades, que está preparado para atender todas as situações de urgência e emergência cotidiana , justifica. Em caso de superlotação dos leitos no Mário Covas e Serraria , Chioro afirma que hospitais como o Albert Sabin, o Nardini, além do Anchieta, servem de retaguarda. Se o plano de urgência se esgotar, a capital se torna referência. Tem uma portaria ministerial que garante esta integração", explica.
Estrutura é insuficiente nas cidades Grandes tragédias exigem mobilização na região Segundo informações repassadas pelas prefeituras, os municípios dependem de força tarefa para atender a demanda. Em situação semelhante à tragédia de Santa Maria, o diretor de Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência de São Bernardo, Thiago Marchi Sacoman, diz que o Pronto Socorro Central é a referência, mas diante da dimensão da catástrofe, se faz necessária a mobilização com as outras cidades vizinhas. São Bernardo tem treinamento específico para estas situações, mas enfrenta gargalos em algumas áreas, como neuro-trauma, que devem ser encaminhadas para o Mário Covas ou Serraria , argumenta. Em Santo André, os pacientes com queimaduras extensas são encaminhados, inicialmente, para atendimento, ao CHM (Centro Hospitalar Municipal), onde são atendidos pela equipe de cirurgia de plantão, que deverá acionar os cirurgiões plásticos do serviço.
Casos de maior complexidade também são encaminhados aos hospitais estaduais da região. Em São Caetano, as vitimas são direcionadas ao Hospital Albert Sabin. Na cidade atuam três ambulâncias do SAMU: duas básicas e uma avançada, para o socorro de vítimas em estado mais grave, além de uma UTI móvel e três ambulâncias da Prefeitura. Em Mauá, o Hospital Nardini presta suporte emergencial e está apto a receber não só pacientes vítimas de incêndio, como no caso da tragédia que ocorreu no Sul. Entretanto, não conta com alguns serviços de alta complexidade, como neurocirurgia, especialidade requisitada em caso de acidentes de grandes proporções. Em Ribeirão Pires, desastres de grandes proporções, em que o volume de atendimentos possa superar a capacidade estrutural da UPA Santa Luzia, a Secretaria de Saúde municipal aciona o Estado para operação de apoio."
Fonte: Cofen.com
Imagem: Farolcomunitario.com