Golpe no mal de Alzheimer
21/03/2013
"Golpe no mal de Alzheimer
Cientistas "curam" neurônios de ratos após interromper a produção de proteína relacionada ao desenvolvimento da doença. A pesquisa deve levar, no futuro, a tratamentos contra a enfermidade. Relatório diz que casos de demência afetam um em cada três idosos nos EUA
Talvez não exista um adversário tão difícil para a medicina hoje quanto o mal de Alzheimer. A doença, que destrói os neurônios e provoca a perda progressiva da memória e de outras funções cognitivas, não para de afetar mais e mais pessoas, sem que os cientistas consigam entender por que e como ela surge. Lutando quase no escuro, os cientistas veem o inimigo avançar. Segundo relatório divulgado esta semana pela ONG Alzheimer's Association, um em cada três idosos morrem com a doença ou algum outro tipo de demência nos Estados Unidos.
Estudo realizado no Instituto para Neurociência Max Planck Florida lança uma promissora luz nesse campo de batalha. Um grupo de cientistas da instituição descobriu que a produção descontrolada de uma proteína ligada ao desenvolvimento inicial dos neurônios leva à destruição das células cerebrais. Em um experimento feito com fragmentos de cérebros de ratos, eles conseguiram interromper a produção desse componente e fazer com que os neurônios voltassem ao aspecto e ao funcionamento normais. Em outras palavras, o mal de Alzheimer regrediu.
Como em todo experimento desse tipo, ainda deve demorar até que um tratamento eficaz para o mal degenerativo surja a partir da descoberta. Os experimentos foram feitos com tecidos de ratos em laboratório, e há um longo caminho para que uma terapia semelhante possa ser testada em humanos. "Quanto tempo levará para chegarmos perto de uma cura dependerá de uma série de fatores. Primeiro, o que testes com animais mostrarão? Depois, um medicamento para atacar esse estágio da doença pode ser eficiente? Ainda não sabemos", esclarece por e-mail Erzsebet M. Szatmari, uma dos quatro especialistas que assina o artigo sobre a descoberta, publicado no Journal of Neuroscience desta semana (veja Três perguntas para). Mas a pesquisa é, segundo seus autores, um importantíssimo passo para compreender o desenvolvimento da doença. "Esse estudo transforma nosso entendimento da causa direta do mal de Alzheimer. Com mais pesquisas, podemos abrir uma avenida para tratamentos de combate a essa enfermidade", afirma, em comunicado à imprensa, Ryohei Yasuda, coautor do trabalho.
Lacuna
O trabalho dos especialistas consegue preencher parte da imensa lacuna sobre a evolução do mal. Já é aceito pela comunidade científica que o Alzheimer está relacionado ao acúmulo no cérebro de placas amiloides, depósitos de gordura formados por uma proteína chamada beta-amiloide. Quando os neurônios são expostos a esse peptídeo, a morfologia deles se torna anormal, e a função sináptica (capacidade de realizar trocas químicas com outros neurônios) é interrompida. Não se sabe ao certo, porém, que etapas ocorrem entre a presença da beta-amiloide e a morte das células.
A nova pesquisa mostra que essa proteína ativa a produção exagerada de uma outra, chamada centaurin-alfa1 (CentA1). Nos fragmentos de cérebro estudados, os pesquisadores conseguiram interromper a produção de CentA1 utilizando uma técnica conhecida como silenciamento de RNA. Quando a nova proteína deixou de ser fabricada, os hormônios voltaram a ficar saudáveis, mesmo com a presença de beta-amiloide. Além disso, os cientistas descobriram outras proteínas ativadas pela CentA1. Ao inibi-las, o funcionamento dos neurônios também foi restabelecido.
"É uma descoberta muito excitante", diz David Fitzpatrick, chefe executivo do Max Planck Florida. "Como todo novo achado, vamos precisar esperar e ver até onde ele vai nos levar." A torcida é grande para que estudos como o que levou à descoberta da CentA1 gerem, o quanto antes, tratamentos. O relatório da Alzheimer's Association traz dados que impressionam. De acordo com o documento, uma pessoa desenvolve a doença ou alguma demência nos Estados Unidos a cada 68 segundos. Nesse ritmo, os 5,7 milhões de pacientes que existem hoje naquele país se transformarão em 13,8 milhões até 2050. Os custos com o mal nos EUA hoje giram em torno de US$ 203 bilhões. No Brasil, não há dados certos sobre o número de afetados. O Ministério da Saúde estima que cerca de 900 mil pessoas com mais de 60 anos sofram com o mal no país.
Três perguntas para Erzsebet M. Szatmari, coautora do estudo O que os senhores pensaram quando viram que neurônios tinham voltado ao normal depois que a produção da proteína CentA1 foi desligada?
Ficamos muito empolgados, porque não esperávamos isso, já que a CentA1 é necessária para o desenvolvimento normal dos neurônios e dos dendritos. Mas a descoberta fez sentido, porque os níveis de CentA1 geralmente se reduzem quando os neurônios amadurecem, e a amiloide-beta eleva muito os índices da proteína.
Com esse estudo, o quão perto ficamos de uma cura ou de um novo tratamento?
Essa doença é um complicado quebra-cabeça e vemos nossa descoberta como uma peça. Às vezes, trabalhamos 10 anos e só temos aquele momento "a-rá!" no 11º ano. O que podemos dizer é que estamos trabalhando com um modelo de rato, e os resultados são promissores. Também planejamos injetar inibidores de CentA1 no cérebro de ratos com Alzheimer e ver o que acontece.
A dificuldade de entender e curar o mal de Alzheimer vem da complexidade do funcionamento cerebral?
Apesar de estudarmos essa doença desde 1906, ainda não sabemos o que a causa e temos um entendimento limitado da base biológica de sua progressão. A complexidade do cérebro e a alta vulnerabilidade dos neurônios certamente estão entre as razões para essa dificuldade. Nós definitivamente deveríamos investir mais em pesquisas sobre o cérebro. Recentemente, o governo dos Estados Unidos anunciou o Projeto Mapa da Atividade Cerebral, e nós estamos esperançosos de que os recursos extras levem a mais descobertas científicas."
Fonte: Cofen.com
Imagem: 1.bp.blogspot.com