Devoção no laboratório
14/05/2013
"Devoção no laboratório
Correio Braziliense - 14/05/2013
Belo Horizonte — O México tem. A Bielorrúsia, também. O Paquistão é outro país que já ganhou um Prêmio Nobel. Mas por que o Brasil, nunca? A pergunta circula na academia antes mesmo de o Brasil ser considerado pela Unesco o 13º produtor de ciência mundial. O progresso da ciência nacional nos últimos anos é impressionante, com destaque para a última década. Pulamos de 21 mil pesquisadores em 2003 para 128 mil em 2010, sendo 63% deles doutores. As mulheres, que eram 39% entre os cientistas, saltaram para 50%. E os centros de pesquisa dispararam: de 99, foram para 452, segundo dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mas os desafios na área científica são muitos. Há ainda um longo caminho a percorrer, e ele começa pela valorização de quem faz ciência: o pesquisador.
Gustavo Menezes tem 32 anos. Graduou-se em odontologia, fez mestrado e doutorado em fisiologia e farmacologia, e dois pós-doutorados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Encarou um terceiro pós-doutorado na Universidade de Calgary, no Canadá. Tem o próprio laboratório e a própria linha de pesquisa, e sua rotina é árdua: entra às 7h, almoça em meia hora e não sai do câmpus antes das 21h. Não que essa seja sua carga de trabalho, mas porque ele acredita na ciência. Como professor adjunto de dedicação exclusiva, ganha salário bruto entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. No entanto, o valor de sua bolsa como pesquisador nível 2 do CNPq é de R$ 1.100.
T.F.R. tem a mesma idade de Menezes. Mas sua trajetória profissional foi diferente: passou por três cursos de graduação distintos, em cinco faculdades. Não concluiu nenhum. Hoje, faz relacionamento com investidores em uma multinacional e, para chegar a um cargo gerencial, concluiu o curso de administração a distância, única forma de conciliar o estudo com as constantes viagens internacionais. É um jovem expoente em sua área, sendo disputado por grandes grupos. Seu salário é de R$ 14 mil.
Dois jovens, dois futuros brilhantes, mas apenas um deles produz inovação e seria capaz de mudar mazelas da população com seu trabalho. Mesmo ganhando menos, Gustavo Menezes está no rol de alguns dos milhares de pesquisadores brasileiros dispostos a contribuir para o curso da humanidade. Em seu laboratório de imunobiofotônica, parte da estrutura do Grupo de Imunofarmacologia da UFMG, ele usa células fluorescentes em animais geneticamente modificados para acompanhar a resposta imunológica do organismo para doenças hepáticas. Tem publicado artigos em importantes revistas científicas mundiais, à custa de muito esforço. E paixão.
Libertação
"Ciência é uma devoção. Um dentista bem-sucedido ganha muito mais que um professor/pesquisador bem-sucedido. O que me fez seguir foi meu sonho de criança de ser cientista. Minha mãe conta que eu gostava de misturar água sanitária com detergente para ver o que acontecia. Para não me machucar, ela comprou meu primeiro microscópio e um jogo de experiências. Tenho prazer no meu trabalho, amo o que eu faço e, se a condição para isso é ganhar o que ganho, eu topo", defende ele, casado, pai de um bebê de 4 meses e integrante de uma banda de rock.
Menezes considera difícil tornar-se chefe de um grupo de pesquisa no Brasil. Segundo ele, o professor contratado não tem sala nem laboratório. E é essa situação que divide a carreira do cientista. "É quando se tem suas próprias ideias que nasce o cientista. Essa libertação de aluno foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira, apesar de seguir colaborando com meus ex-orientadores", diz.
Burocracia que atrapalha
Quando não está em congressos ou visitas acadêmicas, Marcelo Paleólogo de França Santos passa de 45 a 50 horas semanais na UFMG, sem contar com o que leva para casa. Solteiro e sem filhos, é um homem da física. Três vezes pós-doutor, ele faz pesquisa teórica em ótica quântica fundamental e aplicada. Seu grupo de pesquisa, o EnLight, tem pós-doutores, estudantes de doutorado, de mestrado e de iniciação científica, além de contar com computadores de alta performance e verba para viagens e para convidar visitantes. Uma estrutura que nada deve à realidade internacional.
No entanto, também são vários os percalços, a começar pela burocracia. Vários problemas travam o desenvolvimento científico: da falta de mão de obra qualificada às regras pouco flexíveis para uso da verba disponível. "O fato de a verba científica pública ser tratada como qualquer outro recurso público torna os mecanismos de financiamento ineficientes, verdadeiros matadores da ciência de qualidade", critica. Para Paleólogo "falta uma melhor visão de mundo e de futuro aos pesquisadores sêniors do país, aqueles que de fato tomam decisões sobre a distribuição de verba de pesquisa"."
Fonte: Estadao.com
Imagem: Revide.com