CFM vai apoiar o direito de a mulher abortar até a 12ª semana de gestação
21/03/2013
"CFM vai apoiar o direito de a mulher abortar até a 12ª semana de gestação
Expectativa. Roberto D'Ávila, do CFM: 'Seria ótimo que as decisões fossem adotadas de acordo com o que a sociedade quer'
Saúde. Colegiado vai enviar um documento ao Senado, que cuida da reforma do Código Penal, sugerindo a descriminalização do aborto até o terceiro mês; proposta avança em relação ao projeto em discussão e libera a necessidade de autorização médica nesses casos
Lígia Formenti / Brasília
O Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu romper o silêncio e defender a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação. O colegiado vai enviar à comissão do Senado que cuida da reforma do Código Penal um documento sugerindo que a interrupção da gravidez até o terceiro mês seja permitida, a exemplo do que já ocorre nos casos de risco à saúde da gestante ou quando a gravidez é resultante de estupro.
O gesto tem um claro significado político. "Queremos deflagrar uma nova discussão sobre o assunto e esperamos que outros setores da sociedade se juntem a nós", afirmou o presidente do CFM, Roberto D'Avila. A entidade nunca havia se manifestado sobre o aborto.
A movimentação em torno do tema vem perdendo força nos últimos anos, fruto sobretudo de um compromisso feito pela presidente Dilma Rousseff com setores religiosos, ainda durante a campanha eleitoral. Diante da polêmica e das pressões sofridas de grupos contrários à legalização do aborto, a então candidata amenizou o discurso e se comprometeu a não adotar nenhuma medida para incentivar novas regras durante seu governo.
O comportamento da secretária de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, é um exemplo do quanto o compromisso vem sendo seguido à risca. Conhecida por ser favorável ao aborto.em sua primeira entrevista depois da posse ela avisou: sua posição pessoal sobre o assunto não vinha mais ao caso. "O que importa é a posição do governo", disse ela, na época.
A decisão da entidade foi formalizada ontem, dia em que Dilma Rousseff se encontrou com o papa Francisco, em Roma.
Por enquanto, não há sinais de que uma nova onda de manifestos favoráveis possa mudar a estratégia do governo. O Ministério da Saúde disse que a discussão do tema cabe ao Congresso. A ministra Eleonora, por sua vez, afirmou que não se manifestaria.
"Não podemos deixar que esse assunto vire um tabu. O País precisa avançar", afirmou D'Avila. Ele argumenta que mulheres sempre recorreram ao abono, sendo ele crime ou não. Para o conselho, a situação atual cria duas realidades: mulheres com melhores condições econômicas buscam locais seguros para fazer a interrupção da gravidez. As que não têm recursos recorrem a locais inseguros. "Basta ver o alto índice de morte de mulheres por complicações. Não precisa ser assim." O aborto é a quinta causa de morte entre mulheres - são 200 mil por ano.
O CFM sustenta que a mulher tem autonomia para decidir. "E essas escolhas têm de ser respeitadas." A proposta do CFM avança em relação ao texto da comissão do Senado, que também permitia o aborto até a i2. a semana, mas desde que houvesse aprovação médica. "Seria uma burocracia desnecessária. Sem falar de que poderia começar a ocorrer fraude com tais laudos", avaliou.
Legislação. D'Avila é enfático ao dizer que o CFM não é favorável ao aborto. "O que defendemos é o direito de a mulher decidir." A divulgação do manifesto, diz, não mudará em nada a forma como o conselho trata acusações de médicos que realizaram aborto ilegal. "Não estamos autorizando os profissionais a fazer a interrupção da gravidez nos casos que não estão previstos em lei. Queremos é que a lei seja alterada." O presidente do CFM reconhece haver resistência a essa alteração.
"Vivemos em um Estado laico. Seria ótimo que as decisões fossem adotadas de acordo com o que a sociedade quer e não como que alguns grupos permitem."
--------
Cartilha com orientações revoltou religiosos
A reação diante de uma cartilha feita pelo Ministério da Saúde com instruções para uso de um medicamento em casos de aborto legal dá a dimensão do controle que grupos religiosos exercem sobre as ações do governo. Lançado no fim de 2012, o manual, dirigido a médicos, orienta sobre o uso do misoprostol (comercializado como citotec) - indicado para o tratamento de úlcera, tem a venda controlada porque também é utilizado para provocar aborto.
Logo após o lançamento, no entanto, grupos contrários ao aborto lançaram suspeitas sobre o material. Argumentaram que a linguagem usada não era técnica e questionaram o fato de terem sido impressos mais de 200 mil exemplares - número dez vezes maior do que a quantidade de especialistas no País.
Para eles, a cartilha poderia ser usada como material para um programa de aconselhamento de mulheres que decidiram abortar. Uma ação que o governo havia apoiado, mas que, diante da polêmica provocada, decidiu arquivar. De acordo com o Ministério da Saúde, caiu o número de mortes provocadas pelo aborto - hoje, a quinta causa de morte materna. / L.F.
---------
PARA ENTENDER
Lei permite em duas situações
A lei brasileira permite o aborto em duas situações: quando a gestação coloca em risco a vida da mulher ou quando a gravidez é resultado de estupro. Em abril do ano passado, também foi liberada a interrupção da gestação no caso de fetos com anencefalia. Neste caso, a mudança foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal e não por mudança da lei. Na decisão do STF, a maioria dos ministros entendeu que feto com anencefalia é natimoito e, logo, a interrupção da gravidez nesse caso não é comparada ao aborto, considerado crime pelo Código Penal."
Fonte e Imagem: Cofen.com