"Causa externa da esquizofrenia
15/03/2013
"Causa externa da esquizofrenia
Estudo conclui que a infecção por um vírus comum em humanos aumenta chances de pessoas com predisposição genética desenvolverem o transtorno mental
Paloma Oliveto
Um dedicado e pacato pai de família começa a ser atormentado por uma organização criminosa que lê seus pensamentos. Abandonado pela mulher, encontra abrigo em uma paróquia, onde trabalha como faxineiro. Um dia, vozes o mandam exterminar pecadores, e ele se transforma em um assassino em série. Depois de uma avaliação psiquiátrica, um perito do FBI desconfia que as alucinações auditivas que afetam o homem têm causa orgânica. O resultado dos exames não deixam dúvidas: ele sofria de sífilis, que, avançada, havia destruído boa parte de seu cérebro, levando-o a um estado de delírio permanente.
A história é fictícia e foi enredo de um dos episódios do seriado policial Law & order - Special victims unit. Contudo, a ideia de que uma infecção viral possa desencadear esquizofrenia não é fantasiosa. Cientistas acreditam que, além da genética, fatores ambientais estão por trás do distúrbio mental que afeta 1 milhão de pessoas em todo o mundo. Quando as duas variantes se juntam, o resultado é quase certo. De acordo com um estudo publicado na revista Biological Psychiatry, a associação de genes defeituosos e infecção provocada pelo citomegalovírus, o tipo mais comum transmitido entre humanos, aumenta em cinco vezes os riscos de um indivíduo nascer com a doença. Apesar de os primeiros sinais se manifestarem na juventude, acredita-se que, na maioria dos pacientes, o distúrbio fique latente até os sintomas surgirem.
Ao mesmo tempo que o Projeto Genoma favoreceu a descoberta de regiões do DNA implicadas com a esquizofrenia, estudos anteriores buscavam possíveis causas ambientais da doença e indicavam que o citomegalovírus poderia romper a barreira da placenta e prejudicar o desenvolvimento do feto ainda em formação. "Principalmente no início da vida, a suscetibilidade pode aumentar, como sugerem diversos estudos que mostram o aumento do risco de os sintomas aparecerem em pessoas cujas mães estavam infectadas na época da gestação", relata Anders Borglum, professor de Genética Médica da Universidade de Aahurs, na Dinamarca, e um dos autores do artigo. Ele ressalta que também já foi constatado que anticorpos maternos, produzidos na presença de um agente externo, como um vírus, podem interagir com os genes. "Por isso, achamos importante considerar fatores ambientais nos estudos genéticos", diz.
Banco de dados
O trabalho liderado por Borglum foi conduzido por uma equipe que envolveu 21 instituições de pesquisa na Europa e nos Estados Unidos. Esse é, até agora, o maior estudo de investigação genômica da esquizofrenia. No total, sequenciou-se o DNA de quase 5 mil pessoas saudáveis e portadoras do distúrbio na Dinamarca e na Alemanha. No primeiro país, foi possível identificar quais crianças estavam infectadas pelo citomegalovírus ao nascer, pois, em 1981, o governo determinou que os hospitais coletassem amostra de sangue de todos os recém-nascidos para detectar doenças metabólicas. O resultado dos testes está armazenado em um banco de dados nacional.
Ao mesmo tempo, a Dinamarca também iniciou um registro, na década de 1980, de pacientes com doenças mentais. Isso facilitou a identificação de indivíduos esquizofrênicos que, ao nascerem, já estavam infectados pelo micro-organismo. O geneticista da Universidade de Aahurs explica que, até uma semana de vida, o recém-nascido ainda não produz anticorpos próprios em quantidade satisfatória. Por isso, a presença, no sangue, de proteínas que combatem micro-organismos invasores só pode ser explicada pela contaminação da mãe. Posteriormente, o resultado da pesquisa feita na Dinamarca foi replicado na Alemanha, para confirmação.
Os cientistas constataram um alto índice de infecção por citomegalovírus, tanto nas mães de pessoas mentalmente saudáveis quanto nas de indivíduos portadores de esquizofrenia. O resultado já era esperado, pois esse micro-organismo do grupo da herpes é o vírus mais comum em adultos. Uma pesquisa dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA constatou que 60% da população já foi exposta ao citomegalovírus, transmitido por fluidos corporais, como leite materno, saliva, urina e secreções genitais. Uma vez no organismo, ele nunca mais é eliminado, mas, em pessoas com sistema imunológico normal, não costuma provocar estragos.
Depois de separar os participantes da pesquisa em dois grupos, os cientistas fizeram o sequenciamento genético de todos eles, à procura de variantes associadas à esquizofrenia. "Nesse momento, ficou muito clara a relação entre a doença e a infecção por citomegalovírus", observa Ditte Demontis, coautora do artigo e pesquisadora da Universidade de Aahurs e do Instituto de Pesquisas Psiquiátricas Integradas da Dinamarca. As análises estatísticas mostraram que pessoas nascidas com o vírus, mas que não tinham genes implicados com o distúrbio mental, não desenvolveram esquizofrenia. Da mesma forma, apenas a existência das variantes não era determinante para a manifestação do distúrbio. Contudo, o risco de a esquizofrenia emergir na idade adulta mostrou-se cinco vezes maior quando, além do gene defeituoso, a criança tinha sido infectada pelo vírus.
"Esse resultado evidencia que, no caso de doenças ainda não completamente esclarecidas, devemos trabalhar nessa perspectiva, de associar fatores genéticos e ambientais, pois somente um ou outro podem não ser suficientes para explicá-las", destaca Demontis. A cientista também conta que o estudo identificou um gene que, até agora, não havia sido relacionado à esquizofrenia, o CTNNA3.
Imunização
Como nem todos os pacientes esquizofrênicos tinham variantes genéticas conhecidas tampouco haviam sido infectados quando recém-nascidos, Andrers Borglum enfatiza que não se pode atribuir exclusivamente a esses dois elementos as causas da esquizofrenia. Contudo, ele acredita que o estudo identificou um importante fator de risco, o que, para o cientista, deveria estimular a busca por uma vacina contra o citomegalovírus.
"Não há vacina nem tratamento definitivo para esse vírus. O fortalecimento das evidências de que o citomegalovírus desempenha um importante papel na esquizofrenia torna urgente os esforços para que se encontre um meio eficaz de imunizar a população", acredita Dan Farine, integrante do Departamento de Medicina Fetal da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Canadá e autor de uma pesquisa sobre a incidência do vírus em bebês nascidos em Toronto. O médico lembra que vacinas para combater vírus complexos não são fáceis de serem descobertas, até porque existem diferentes cepas do citomegalovírus, dificultando a eficácia da imunização. "Não é, contudo, impossível, e algumas iniciativas já têm se mostrado promissoras", diz.
Uma delas, da Universidade do Alabama, conseguiu proteger 50% de mulheres que jamais haviam entrado em contato com o vírus. Outro estudo, da Universidade College London, aumentou a proteção contra a infecção em pessoas soropositivas para algum tipo de cepa. Ambas as pesquisas ainda estão sendo aprimoradas. Para este ano, a Iniciativa Europeia para Citomegalovírus Congênito pretende começar a recrutar mulheres grávidas para testar uma vacina que evite a transmissão do vírus para o feto. Contudo, não há data prevista para o início do estudo."
Fonte e Imagem: Cofen.com