Avanços na vacina contra a dengue - MARCELA ULHOA
11/09/2012
Avanços na vacina contra a dengue - MARCELA ULHOA
Vacina testada em 4 mil crianças tailandesas chega a ter 100% de eficácia para um subtipo da doença. O próximo passo do estudo será analisar os efeitos da substância em 31 mil voluntários, incluindo brasileiros
MARCELA ULHOA
A dengue é uma das doenças virais com maior impacto nos continentes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa é de que metade da população mundial esteja atualmente sob o risco da infecção. Apesar de sua incidência ter crescido drasticamente nas últimas décadas, ainda hoje não há nenhuma vacina licenciada capaz de imunizar a população dos 100 países em que a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti é endêmica. Um estudo publicado na revista Lancet de hoje, entretanto, divulgou um importante resultado que pode ser a luz que faltava para, finalmente, entrar no mercado uma vacina tetravalente, capaz de combater os quatro sorotipos do vírus causador da doença.
"Esse é o primeiro estudo que comprovou a eficácia de uma vacina contra a dengue", afirmou o autor do artigo, Derek Wallace, em entrevista ao Correio. A formulação desenvolvida por pesquisadores do Instituto Nacional de Vacinação de Seul, na Coreia do Sul, havia sido apresentada anteriormente, mas, desta vez, foram divulgados os resultados da segunda fase dos testes da imunização. Intitulada CYD-TDV, a vacina foi aplicada em 4.002 crianças tailandesas com idade entre 4 e 11 anos. Parte delas recebeu três doses de vacina e outra, três doses de placebo. Ambos os grupos foram acompanhados durante aproximadamente dois anos.
Após a aplicação das três injeções, os pesquisadores constataram uma eficácia diferente para os quatro sorotipos da doença: 56% para o sorotipo DEN1, 75% para o DEN3, 100% para o DEN4 e apenas 9% para o DEN2. De acordo com Rodrigo Gurgel, professor do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), apesar dos resultados da eficácia da vacina não terem sido tão animadores quanto ao subtipo2, o estudo indica claramente que a vacina foi bem tolerada e sem sintomas colaterais entre as crianças estudadas.
Segundo o professor, a vacina pode ser considerada segura considerando os dois anos de acompanhamento. "Na minha opinião, é uma importante contribuição para o desenvolvimento de vacinas contra a infecção pelo vírus da dengue, porém a pesquisa ainda não é a solução definitiva para o controle dessa doença. O melhor ainda é o combate ao mosquito transmissor Aedes aegypti", pondera Gurgel.
Apesar da pouca eficácia em relação ao subtipo 2 do vírus da dengue, Wallace afirma que os resultados mostraram que, por meio da proteção contra os outros três sorotipos, a vacina pode reduzir significativamente a dengue em seu aspecto mais geral. Sobre o amostragem utilizada para o estudo, o cientistas explica que o grupo, formado por estudiosos da Coreia do Sul e da França, escolheu focar os testes na faixa etária que apresenta maior carga de contaminação de dengue. "Na Tailândia, isso ocorre na infância. Além disso, a dengue grave, também chamada de hemorrágica, requer hospitalização e afeta principalmente as crianças". O autor complementa que a Tailândia foi o país escolhido devido ao fato de ser uma região endêmica da dengue e de os moradores terem uma boa percepção da doença e dos seus sintomas.
Mais testes Na terceira fase de testes, que está em andamento, os pesquisadores testarão a vacina em cerca de 31 mil voluntários em 10 países da Ásia e da América Latina, incluindo o Brasil. A ideia é documentar e provar a real eficácia da vacina em populações mais amplas e em diferentes ambientes epidemiológicos.
De acordo com Wallace, a empresa francesa Sanofi Pasteur tem trabalhado no desenvolvimento da vacina da dengue há 20 anos. O principal desafio foi desenvolver uma vacina que fosse ao mesmo tempo segura e imunogênica para os diferentes sorotipos de dengue. A primeira geração de vacinas começou a ser desenvolvida na década de 1990 em conjunto com a Universidade de Mahidol, na Tailândia. Entretanto, não se conseguiu atingir ambos os objetivos.
Em 2000, a empresa iniciou a segunda geração de vacinas contra a dengue. "Hoje, com os resultados publicados na revista Lancet, é a primeira vez que uma vacina mostrou-se capaz de proteger contra a dengue. A terceira fase de estudos clínicos já está em andamento, isso torna essa vacina a candidata mais avançada do mundo em desenvolvimento clínico e industrial contra a dengue", defende o autor do estudo. Pesquisa similar no Butantan
No Brasil, país altamente afetado pela dengue, também está em andamento a produção de uma vacina tetravalente contra a doença. Pesquisadores do Instituto Butantan em parceria com Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unido aguardam somente a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para iniciar os testes em humanos. Ainda não há previsão da resposta.
De acordo com Alexander Roberto Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan, imediatamente após a aprovação, os voluntários serão recrutados. Poderão participar adultos de ambos os sexos e com idade entre 18 e 50 anos. "Aplicaremos as doses dentro de um período de um ano. Nos quatro anos seguintes, os voluntários serão acompanhados para vermos se eles vão adquiria a dengue e também para monitorarmos a resposta imunológica de cada um", explica.
Precioso pontua ainda que uma das dificuldades para licenciar as vacinas é a ausência de uma modelo animal adequado para os testes de imunização, já que a doença se manifesta exclusivamente em humanos. Na primeira etapa da segunda fase de testes, os pesquisadores analisarão exclusivamente voluntários brasileiros, mas a ideia é que a pesquisa seja expandida para países vizinhos e asiáticos.
"É interessante que toda a vacina de uso mundial seja testada em diversas populações, já que a resposta imunológica pode variar de acordo com uma série de fatores, genéticos, ou não genéticos. O perfil epidemiológico do vírus que está circulando na região também pode ser diferente em cada local." De acordo com Precioso, populações próximas, como o caso dos latino-americanos, tendem a apresentar poucas variações. Ele acrescenta que a ideia é desenvolver uma vacina que poderá ser utilizada por muito tempo. Por enquanto, ainda não é possível saber se as pessoas vacinadas precisarão reforçar a dose com o passar dos anos, assim como é feito, por exemplo, no caso da febre amarela. (MU)
Fonte: Correio Braziliense
Imagem: Correioweb.com