Ataque a partidos preocupa
21/06/2013
"Ataque a partidos preocupa
Autor(es): Demétrio Weber Eliária Andrade
O Globo - 21/06/2013
Cientistas políticos lembram que políticas públicas precisam de instituições para serem realizadas e avançarem
Protestos. Manifestante exibe cartaz contra a participação de partidos políticos nos atos
Rechaçados por manifestantes em todo o país, os partidos políticos, mesmo com todos os defeitos, são considerados peças-chave da democracia e, sem eles, não há como governar nem avançar em políticas públicas. O diagnóstico é de cientistas políticos ouvidos ontem pelo GLOBO sobre as manifestações de rua e seu caráter apartidário. Ainda surpresos com a magnitude dos protestos, eles reconhecem que a presença de multidões nas ruas deixará marcas e já rendeu frutos, como a redução das tarifas de ônibus, mas apostam que o movimento não terá fôlego para seguir adiante por muito mais tempo.
De Belo Horizonte, o cientista político Fábio Wanderley Reis admite a perplexidade com a onda crescente de manifestações. Mesmo apontando consequências positivas como a redução das tarifas e o adiamento da votação da PEC-37 - proposta que retira poder de investigação do Ministério Público -, ele vê uma postura ingênua no movimento.
- Há uma visão utópica de que você pode dispor das coisas sem instituições. Que você pode ser contra o Executivo, os partidos, a direita, a esquerda, sem a noção de que as ideias têm que ser estruturadas e que é preciso de gente capaz de formular programas. Você não constrói democracia sem atividade partidária. Há uma visão ingênua, utópica, romântica, boboca, desinformada, muito pouco sofisticada, e aí prevalece um certo repúdio à política em geral - disse Reis, que é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Do Rio, o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando Lattman-Weltman teme que o viés antipartidário dê um caráter inconsequente ao movimento, a médio prazo. Para ele, mudanças duradouras dependem das instituições:
- Tirar a legitimidade dos atores institucionais é perder os mecanismos efetivos para resolver as questões reivindicadas. Não basta manifestar, tem que fazer política, sem constrangimentos. Tem que obrigar os atores institucionais a ouvir e a responder. Afirmar a autonomia do movimento diante desses atores é legítimo e compreensível, mas escorraçar a política, em especial a partidária, é um erro - disse Lattman-Weltman, em nota divulgada à imprensa.
Em Brasília, o cientista político David Fleischer observa que os manifestantes não se sentem representados pelos políticos:
- O Rui Falcão (presidente nacional do PT) mandou o partido tentar infiltrar-se na marcha, e a CUT foi praticamente chutada fora. O protesto é muito forte contra todas as instituições, inclusive os partidos. Muita gente não se sente representada por esse pessoal.
Fleischer, que é professor da Universidade de Brasília (UnB), vê relação direta entre os protestos e a Copa das Confederações. Diz que a competição deu visibilidade às manifestações e, por isso mesmo, acredita, a mobilização terminará logo após o fim do torneio, já nos primeiros dias de julho.
- A Copa deu palco e jogou holofote sobre o Brasil. Toda essa mobilização começou dois ou três dias antes. Minha previsão é que tudo vai voltar com muito mais força em junho de 2014, na Copa do Mundo, porque o palco será maior e vai ser um prato cheio para esse movimento - disse Fleischer.
De São Paulo, Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, avalia que políticos e autoridades provavelmente terão que mudar sua forma de agir daqui para a frente:
- Toda decisão política, seja no nível federal, estadual ou municipal, vai precisar ser comunicada de outra forma para a sociedade, com mais transparência e exigindo mais das lideranças, o que pode ter um custo político maior. É cristalino o fato de que alguns prefeitos alteraram as tarifas de ônibus em função do movimento. E isso gerou um efeito didático de que a mobilização pode render esse fruto."
Fonte: Oglobo.com
Imagem: Jovempan.uol.com