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Apesar de PIB alto e turismo forte, educação é precária em Ipojuca, PE

07/08/2013

"Apesar de PIB alto e turismo forte, educação é precária em Ipojuca, PE

Mesmo com economia crescente, IDHM é apenas médio na educação.
80% dos alunos da rede municipal não sabem ler e escrever direito.

O segundo maior PIB de Pernambuco está na cidade de Ipojuca, no Litoral Sul: R$ 9,1 bilhões, quase um terço do que é produzido na capital, Recife. Muito disso se deve aos 40% do Complexo Industrial e Portuário de Suape que está instalado no município e aos serviços prestados às empresas que fazem parte dele. Só de impostos, a Prefeitura arrecada R$ 43 milhões por mês. Além disso, os negócios do setor de turismo, que têm a praia de Porto de Galinhas como estrela principal, também impulsionam a economia, com a rede hoteleira tendo faturado R$ 5,2 milhões em 2012. Mesmo com esses bons números, a cidade tem apenas o 43° Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) no ranking estadual, com taxa de 0.619, considerada média pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). De acordo com os dados, divulgados pelo Pnud no fim de julho, a educação foi o componente que mais puxou para baixo o IDHM de Ipojuca, com taxa desse segmento de apenas 0.499.
IDHM Educação em Ipojuca
1991 0.139
2000 0.256
2010 0.449
Fonte: Pnud, 2013

Além da educação, o cálculo do IDH-M levou em conta a longevidade (0.774) e a renda (0.613). Na série histórica do Pnud, a área educacional sempre foi a pior avaliada no município (veja tabela). De acordo com diagnóstico da Secretaria de Educação Ipojuca, realizado no início deste ano (veja tabela), 26,4% dos adultos são analfabetos - mais que a taxa de 16,9% verificada pelo IBGE entre pessoas com 15 anos ou mais na Região Nordeste, em 2011. O vendedor ambulante Natalício Pereira, 35 anos, é quase analfabeto funcional. Sabe apenas escrever o nome e frases simples, assim como lê-las, e fazer cálculos básicos. "Acho que por isso não consegui um emprego em Suape. Fico fazendo bicos, mas ainda quero voltar para escola", comentou. Ele parou na antiga quinta série.
Diagnóstico da educação em Ipojuca
Quase todas as crianças entre 0 a 3 anos não têm creche
20% das crianças de 4 a 5 anos estão fora da escola
49% dos estudantes do ensino fundamental têm distorção idade/série
10% dos alunos do ensino médio estão na idade correta
2,5% dos jovens entre 18 a 24 anos estão cursando ensino superior
80% dos alunos da rede municipal não sabe ler e escrever corretamente
Fonte: Prefeitura de Ipojuca

Natalício, que mora na comunidade pobre de Salina, em Porto de Galinhas, personifica um problema que muitos jovens ipojucanos deverão enfrentar: a impossibilidade de se desenvolver pessoal e profissionalmente. Segundo o levantamento da Secretaria de Educação, dos 19.081 alunos que estão em escolas municipais, 80% não sabem ler e escrever corretamente. “Isso revela que o sistema educacional é ineficiente, e o motivo é que as escolas estão em condições precárias, sem biblioteca, nem laboratório. Algumas não tinham nem água. Nós encontramos, por exemplo, sete escolas funcionando com turnos intermediários, um período mais curto entre manhã e tarde, porque não tem escola suficiente. Vimos também que tinham 143 salas multiseriadas na Zona Rural, com várias crianças de séries diferentes na mesma sala”, apontou a secretária Margareth Zaponi.

O jangadeiro Hélio Vicente, 54 anos, é outro que carrega uma herança triste: cresceu em uma antiga vila de pescadores de Ipojuca, tirando a renda do mar, mas viu os peixes sumirem, ao longo da vida. Sem escolarização, hoje trabalha como jangadeiro, disputando espaço para levar turistas às piscinas naturais, na Praia de Porto de Galinhas. Aprendeu algumas palavras em inglês, espanhol e alemão para se comunicar com os turistas. No entanto, não sabe ler nem escrever. "Eu sofri muito com sol, chuva, vento, noites mal dormidas. Podia ter uma vida melhor se tivesse estudado, até mesmo para atender melhor os clientes", disse ele.

A vila de Porto de Galinhas tem só uma escola municipal, a Manoel Luiz Cavalcanti Uchôa. Lá, estudam 1.077 alunos, a maior parte oriunda das comunidades pobres de Salina, Socó, Merepe 1, Merepe 2 e Pantanal. O imóvel está em boas condições, com biblioteca, laboratório e quadro docente completo. O problema é que o espaço é pequeno para a demanda, que só cresce. "Não temos creche, falta lugar para implantarmos projetos, há turmas superlotadas e tivemos que abrir dois anexos, um pouco longe da matriz, o que dificulta o acompanhamento mais de perto. Por enquanto, isso não está prejudicando muito os alunos, mas penso no futuro", disse a diretora Ana Paula Nunes.
Lindinalva não arruma trabalho por não ter onde deixar Luan, 2 anos. (Foto: Luna Markman/G1)Lindinalva não arruma trabalho por não ter onde
deixar Luan, 2 anos. (Foto: Luna Markman/G1)

Falta creche
O estudo da Secretaria de Educação apontou que a maioria das crianças entre 0 a 3 anos não tem creche em Ipojuca, e esse é o problema que mais incomoda moradores de Nossa Senhora do Ó, um distrito do município. É por não ter onde deixar o filho Luan, 2 anos, que Lindinalva Souza não tem tempo para assumir um emprego. "Meus outros dois filhos estudam em escola particular porque meu marido trabalha como ajudante de pedreiro, mas já está ficando caro para nós. Se eu pudesse deixar ele numa creche, sossegado, seria bem melhor para nós, e ele já ia se desenvolvendo também", lamentou.

De acordo com Margareth Zaponi, cinco Centros de Educação Infantil, com creche e pré-escola, serão entregues pela prefeitura até o final do ano que vem. "Será uma em cada distrito: Ipojuca, Serrambi, Nossa Senhora do Ó, Camela e Porto de Galinhas. A partir de 2015, começamos a construir novamente, porque essa quantidade não vai suprir. É uma medida emergencial, porque não há creche municipal em Ipojuca", disse a secretária.

Fora de série
O diagnóstico também mostrou que 49% dos estudantes do ensino fundamental têm distorção idade/série e só 10% dos alunos do ensino médio estão na idade correta. A estudante Cassandra Nascimento, 17 anos, é um exemplo. Ela é aluna do Grupo Escolar Municipal Joaquim do Rêgo Cavalcanti, que fica no Centro de Ipojuca, e já repetiu três vezes. "Eu não tenho vontade de estudar e tive professor chato", resumiu.

Já Joseli Silva, 23 anos, retornou à escola, que abandonou na antiga oitava série, aos 16 anos, por causa da gravidez. "Não estou sentido dificuldade de acompanhar meus colegas e os professores são pacientes. Estou feliz. Voltei porque quero dar um futuro melhor aos meus dois filhos", comentou.
Joseli Silva, 23 anos, voltou para escola. (Foto: Luna Markman/G1)Após gravidez, Joseli Silva, aos 23 anos, decidiu voltar
a estudar. (Foto: Luna Markman/G1)

Valdinete Vasconcelos assumiu a direção do Grupo Escolar este ano e percebeu essa distorção. Também encontrou alunos com dificuldade na escrita, leitura e aprendizagem da matemática. "Acredito que isso é resultado de um conjunto de fatores, como falta da participação da família e profissionais tipo psicopedagogo e assistente social, formação continuada e valorização dos professores, uma otimização do espaço da escola, além de mais infraestrutura. Mas estou com esperança de mudanças", disse.
Plano emergencial
A afirmação da diretora é por conta do planejamento que a Secretaria de Educação de Ipojuca fez a partir do grave quadro revelado pelo diagonóstico. A secretária Margareth Zaponi explicou que identificou áreas prioritárias e as dividiu em quatro eixos estratégicos (alfabetização e ensino; infraestrutura escolar; gestão de pessoas e mobilização e participação da comunidade). “As ações começam a partir de 2014. Nossa meta é, até 2016, oferecer um ensino público de qualidade”, comentou.
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Entre as ações previstas está a criação de um plano emergencial de alfabetização e de um sistema municipal de avaliação, no qual os estudantes serão avaliados a cada bimestre; seleção de gestores escolares por critérios técnicos e investimento na formação continuada desses profissionais e de professores; compra de material didático; ações de inclusão digital; e ativação dos conselhos Municipal de Educação, do Fundeb e da Alimentação Escolar. De acordo com a secretária, até 2014, serão construídas e reformadas oito escolas municipais nas zonas Urbana e Rural, todas no modelo de regime integral.

Um dos maiores desafios é levar educação - e de qualidade - para a Zona Rural, que representa 26% da população. A dona de casa Marinalva Domingos mora no Engenho Água Fria, onde fica a Escola Municipal Nossa Senhora dos Prazeres. É lá que a filha Jaqueline, 6 anos, estuda. "A escola é boazinha, tem professor, merenda, mas deu uma chuva e ficou tudo sujo lá, desde maio está fechada. E, até agora, minha filha não recebeu nem farda nem os livros", reclamou. Os filhos Jaeberson e Janekelly têm aula em Nossa Senhora do Ó e, pela estrada ser de terra, muitas vezes o ônibus escolar não chega à casa deles.
Marinalva Domingos critica falta de farda e material didático para filhos na Zona Rural de Ipojuca. (Foto: Luna Markman/G1)Marinalva critica falta de farda e livros para filha na Zona Rural de Ipojuca. (Foto: Luna Markman/G1)

"Ainda estamos fazendo uma intervenção nessa escola. Encontramos 16 escolas muito prejudicadas e já resolvemos os problemas que tinham solução mais rápida. Essa deve ficar pronta dentro de 30 dias. O fardamento também está sendo entregue mas, quanto à questão dos livros, a licitação para 2013 deveria ter sido feita ano passado e não foi, está atrasada. Estamos reunidos para escolher quais serão os livros do ano que vem, ter em estoque para repor imediatamente, e estamos também na fase final de licitação para adquirir material de apoio complementar. São livros paradidáticos, cadernos de desenho e caligrafia, brinquedos educativos e jogos", enumera Margareth Zaponi.

Mão de obra desqualificada
Em 2011, das despesas totais do município (R$ 383.747,00 - valor quase igual ao da receita), 28,85% foi gasto em educação, segundo o Condepe/Fidem. A taxa respeita o que preconiza a Constituição Federal, que os municípios apliquem ao menos 25% da receita em educação. O processo de prestação de contas da Prefeitura de Ipojuca de 2012 ainda está em análise no Tribunal de Contas do Estado. Mas o diganóstico aponta que a verba destinada ainda é insuficiente para cobrir as lacunas educacionais.

Para Zaponi, a educação precária contribui para a desigualdade social no município, representada em número pelo coeficiente de Gini, cálculo usado para medir a diferença econômica numa população. Em Ipojuca, este índice é de 0.50 – o do Recife é 0.68. O valor zero representa uma sociedade ideal onde todo mundo tem os mesmos bens, enquanto que o valor um significa que os bens estão em mãos de uma só pessoa. “A desigualdade aumentou, agora 20% dos mais ricos têm 55% da renda. Para ter uma ideia, só 10% dos trabalhadores de Ipojuca estão em Suape, porque eles não têm educação, não são qualificados", disse.
Alunos da única escola municipal em Porto de Galinhas. (Foto: Luna Markman/G1)Alunos da única escola municipal em Porto de Galinhas,
que está superlotada. (Foto: Luna Markman/G1)

A lógica é que se o povo não estuda, não arruma trabalho e, com isso, não gera renda. De acordo com o diagnóstico da Secretaria de Educação, só 2,5% dos jovens entre 18 a 24 anos estão cursando ensino superior. É pela falta de qualificação que os ipojucanos estão perdendo emprego dentro "de casa" e logo em um dos setores que mais oferece oportunidades, o hoteleiro. Há dez anos, segundo a Prefeitura, 80% das vagas eram preenchidas por moradores da região. Hoje, a ordem está invertida.

O Condomínio de Cursos, centro de formação profissional que havia em Ipojuca, foi fechado no início da gestão passada, há oito anos, de acordo Miquéias Silva, secretário da Juventude e Esporte. "O espaço foi fechado assim que o prefeito anterior assumiu. Não havia nenhum programa de qualificação profissional em andamento quando começamos, em janeiro. A ideia é retirar as secretarias que estão lá, Juventude e Esportes e da Mulher, em até 40 dias. O local vai passar por uma adequação para voltar a funcionar como o Condomínio de Cursos".

As capacitações que serão oferecidas e o acesso dos alunos ao centro ainda estão sendo discutidos. "Esta semana foi montado um comitê intersetorial que vai trabalhar essa questão. A grade de cursos não está fechada ainda, existem várias demandas para atender. E o modelo de inscrição, duração e currículo de cada curso também está sendo definido".

A capacitação profissional é um passo para mudar o quadro social de Ipojuca, ainda marcado pela época em que a cana-de-açúcar movia a renda local. "Hoje, a economia do município basea-se em infraestrutura [Porto de Suape] e turismo, mas a composição social ainda é dos antigos engenhos, com alta taxa de analfabetismo, nenhum domínio tecnológico e doenças endêmicas. Então, essas matrizes [social e econômica] não se conjugam, e o cidadão continua com a mesma condição de vida que tinha quando trabalhava nos engenhos", avaliou o sociólogo do Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, José Arlindo Soares."

Fonte e Imagem: G1.globo.com