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Universidade, passado e futuro
29/09/2012
Universidade, passado e futuro
Por Ana Paula Hey*
O Brasil tem hoje 6,5 milhões de alunos na educação superior, distribuídos em 278 instituições públicas e 2.100 privadas, de caráter leigo ou religioso. A expansão ocorrida desde a última reforma universitária (1968), em pleno regime militar, é espantosa, pois nessa época havia menos de um milhão de matrículas. Tal reforma visava a produtividade e a eficiência do sistema, operando as seguintes transformações: implantação do vestibular unificado e classificatório; diferenciação entre cursos de graduação de longa e curta duração (três a seis anos); constituição do campus fora da cidade; adoção do sistema de créditos e matrículas por disciplina; criação dos departamentos no interior das universidades e de uma carreira acadêmica, extinguindo-se as cátedras vitalícias e implantando-se a pós-graduação (cursos de mestrado e doutorado). De lá para cá a universidade mudou, e muito, por meio de ações adotadas paulatinamente, reconfigurando-se as estruturas universitárias e as relações entre elas e a sociedade.
Hoje, quando se fala em universidade, nos referimos a uma parcela do sistema de educação superior, pois nos anos 1990 se vivenciou um processo de diversificação dos modelos institucionais, distinguindo faculdades, centros universitários e universidades.
Os anos 1980 foram “frios” em termos econômicos, com estagnação produtiva; “quentes” no âmbito social, com abertura política e eleições diretas; e “mornos” na educação superior. Já os anos 1990 e os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram emblemáticos no estabelecimento de diretrizes em relação à educação superior e à configuração sistêmica que se conhece hoje.
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As alterações advieram dos diagnósticos da crise no setor, em especial o reduzido desempenho das universidades públicas, ao mesmo tempo apontando o setor privado como mais vantajoso para a diversificação da educação superior e com menor custo para formar alunos. A ideia foi “abrir” o sistema com a criação de novos modelos organizacionais e a autonomia dos estabelecimentos privados. O papel do Estado enfraquece-se e se redefine quanto ao controle (avaliação), à regulação (criação de instituições, abertura ao mercado de capitais) e ao financiamento (aos alunos).
Desde os governos Lula (2003-10), as mudanças se deram pelo Ministério da Educação e por órgãos a ele ligados. Algumas das transformações vistas desde fins dos anos 1990 são: diferenciação organizacional das instituições de ensino superior (IES) em universidades, centros universitários, faculdades integradas e isoladas e cisão entre instituições de pesquisa e de ensino; explosão do número de alunos, sobretudo no setor privado; estabelecimento do Exame Nacional de Cursos (Provão), atualmente Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), realizado no início e no fim do curso de graduação, compreendendo também a avaliação e autoavaliação das IES; implementação de cursos de graduação de curta duração, presenciais ou à distância; criação de cursos de graduação e de pós-graduação à distância com uso das TICs e criação da Universidade Aberta do Brasil, do sistema público federal; adoção de cotas socioeconômicas (alunos de escolas públicas) e raciais (negros e indígenas); diversificação da forma de ingresso, via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sistema de cotas, ProUni e Reuni.
Falar hoje em universidade significa se direcionar a uma parcela singular de alunos que estão em idade de frequentar cursos superiores. Para eles, os desafios se referem à escolha de carreiras prestigiosas, que garantam posição de status na estrutura das profissões ou colocação avantajada no mercado. Isso exige extrapolar a formação dada na universidade como garantidora desse estatuto e a busca por investimentos em recursos extra-escolares — domínio de línguas estrangeiras, intercâmbios científicos precoces, contato com setores de ponta da profissionalização almejada, estabelecimento de boas relações sociais —, além da internacionalização das instituições (através de acordos de cooperação transnacionais).
Esse movimento acompanha a universidade contemporânea, pois quanto mais se fala no imperativo da educação, mais se acirram as lutas entre categorias sociais para se apropriar desse espaço e transformá-lo segundo suas necessidades. A universidade brasileira precisa redescobrir como demonstrar que suas funções não são tão pragmáticas e que a produção de conhecimento e de futuros profissionais pode e deve seguir uma lógica de transformação do próprio imaginário em torno dela.
Ana Paula Hey é professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Fonte: Oglobo.com
Imagem: Alfobre.blogspot.com.br